sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Mantega e Geithner

Oba, oba, oba, vou falar um pouquinho de economia política, crise e G-20. Bom, não posso entrar em muitos detalhes, por razões óbvias. Je suis desolé. Porém, creio ser razoável fazer uns comentários gerais. Mesmo porque o Brasil está bem na foto, ao menos na minha área de trabalho.

Guido Mantega, nosso Ministro da Fazenda, esteve em Washington para se encontrar com o Geithner, Secretário do Tesouro norte-americano. Ao contrário do que ocorria nos anos dourados do ex-Presidente Fernando Henrique, não fomos lá pedir um empréstimo emergencial em troca da abertura de nosso mercado, da venda de nossas mais valiosas companhias e da compressão dos gastos sociais e investimentos públicos. Hoje, o Brasil fala de igual para igual com qualquer um. Dá conselhos, assume papel ativo nas negociações, é peça importante para qualquer acordo. Oferece dinheiro para resolver os problemas causados pela ganância e pela irresponsabilidade da alta finança privada. A esse respeito, as autoridades governamentais colaboraram, claro. Em geral, haviam sido capturadas por interesses privados. Colocar a culpa no Greenspan isoladamente, ou pior, no nível de poupança da China, é apenas uma meia-verdade bem fraquinha, quase uma tolice. Da mesma forma, dizer que o Brasil está muito bem ignorando que a alta nas commodities e o dinamismo do setor exportador foram grandes parceiros na recuperação da solvência externa entre 2002 e 2008 seria desleal.

Bom, enfim, voltando, o Mantega foi lá e apresentou propostas brasileiras para o seguimento do G20. A próxima Cúpula de Líderes está marcada para 24 e 25 de setembro, em Pittsburgh/EUA. Não vou entrar em detalhes. Mas saibam que, nessa área, o Brasil faz bonito. Além do país estar em boa posição, os negociadores brasileiros são sérios e competentes. Temos uma postura reformista e ambiciosa, sem aquela coisa adolescente de chutar cachorro morto (no caso, os países ricos que causaram essa confusão) ou aproveitar a situação para ficar bradando retórica vazia. Trata-se de atitude construtiva e respeitada. Não é à toa que somos convidados para conversar no mano-a-mano com o Sec. do Tesouro logo antes de uma Cúpula de responsabilidade dos EUA que acontecerá durante a mais grive crise econômica mundial desde a Grande Depressão.

A avaliação conjunta, ao menos o que saiu no Estadão, indica que o pior da crise está ficando para trás, mas ainda é cedo para soltar rojões. As políticas de estímulo devem prosseguir. (Opinião minha agora:) Esqueçam essa conversa de "estratégias de saída". A coisa é séria, a coisa tá feia. Nos EUA, por exemplo, não está claro como a economia voltará a crescer com os gastos privados retrocedendo e uma demanda externa também em baixa. São os gastos públicos que têm sustentado um pouco da demanda e são garantias públicas e mudanças contábeis que bancam alguma recuperação do sistema financeiro privado e dos mercados de capitais. E os picaretas já aproveitam para distribuir novos bônus bilionários... O mercado imobiliário local segue deprimido, o desemprego em alta e o sistema financeiro continua carregado de ativos tóxicos. Na Europa, creio que a situação é pior. Excluindo China e Índia, casos à parte, a Ásia também patina, vejam o Japão ou então países menores altamente dependentes de exportações. Na América Latina, o Brasil se destaca junto com Argentina e Peru. Mas é uma situação que apenas agora começa realmente a melhorar. E dos três vizinhos, certamente o Brasil é o melhor posicionado, ainda que eu não esteja satisfeito com os rumos do câmbio e me preocupe com a conta corrente durante a retomada, para não falar na queda nos investimentos privados e na produção industrial. Mas o Brasil tem liberdade e capacidade de fazer eventuais correções adotando políticas ativas aqui e ali. Muuuito diferente do que já vimos no passado.

Sobre essa questão dos estímulos fiscais, alguns gênios do mercado (nem todos, é preciso reconhecer) e seus papagaios na mídia e na oposição ficam aí dizendo que o Brasil apresenta descontrole fiscal, que teremos que maneirar nos gastos públicos, etc... É o samba de uma nota só. Ignoram, por exemplo, o relatório que o FMI divulgou em 30 de julho último que demonstra que, entre os países do G20, a situação fiscal do Brasil é extremamente confortável. Alguns baluartes da ciência econômica vão além e dizem que o juro já está muito baixo, que em 2010 teremos que subir a taxa (terrori$mo eleitoral). Esse segundo grupo é uma evolução, para pior, dos primeiros. Uma verdadeira involução, a turma dos rentistas, figurinhas que gostam de ganhar dinheiro fácil sem trabalhar. Posando de responsáveis, carcam as finanças públicas. Pior, alguns sentam a bunda no sofá e acham normal tirar 12% ao ano de juros da dívida pública, fora a valorização no câmbio, e ainda se darem ao desplante de criticar os R$ 70 ou R$ 80 do bolsa família para os miseráveis. Isso ficará para outro post, no qual também poderei opinar sobre os recentes movimentos no câmbio, políticas sociais e a retomada econômica, a mudança cultural/institucional/política trazida por juros reais mais civilizados, o Pré-Sal e as chances do Santos no campeonato brasileiro.

Economia é política. Quem ganha, quem perde? Essa é pergunta fundamental. A outra pergunta é se há alguém que chegou aqui e continua lendo todo esse palavrório. Na verdade, acho que gosto mesmo de escrever e isso está sendo bom para organizar as idéias, desorganizá-las, questioná-las, provocar o pensamento, meu e de algum leitor sobrevivente, enfim, sair um pouco da redoma burocrática e do isolamento brasiliense oferecendo alguma contribuição, confusa e polêmica que seja, nesse momento tão especial que o Brasil atravessa.

Um comentário:

  1. Concordo com a avaliacao de que o buraco da crise eh mais embaixo, e que os programas de estimulo fiscal foram medidas paliativas que nao resolveram os problemas estruturais causadores da crise. E alguem ainda vai ter de pagar esta conta.

    Uma sugestao para ajudar a preservar a dinamica de nosso setor exportador e a competitividade da nossa industria eh lancar mao de uma politica comercial (defensiva e ofensiva) mais agressiva. Infelizmente, a enfase em Doha tem sido contra-producente. Acabou a era da inocencia na globalizacao, nao ha bandidos nem mocinhos. As regras do jogo permitem remover as barreiras externas e atuar na defesa do mercado domestico. Basta perder o pudor de utiliza-las.

    Em suma, o ataque tem que "morder" mais, e a defesa tem de se fechar melhor.

    Assim como o Santos.

    Abs,
    P.

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