segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Rolam os dados

Amorim cobra "maior franqueza dos EUA com América do Sul"

ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

O chanceler Celso Amorim cobrou "maior franqueza dos EUA com a América do Sul", na primeira reação pública do governo ao documento do Pentágono para o Congresso americano confirmando o que os EUA sempre negavam: que o objetivo das bases na Colômbia não é só de combate ao narcotráfico, mas de projeção de poder na região.
Em entrevista à Folha, Amorim alertou: "Pode ser que, quando o presidente Obama venha a se concentrar nos temas da região, ele descubra que as relações dos EUA com a América do Sul já tenham se deteriorado. Espero que isso não ocorra".


FOLHA - O que mais assusta o Brasil: as ameaças de guerra de Chávez ou as bases americanas de Uribe?
CELSO AMORIM - O presidente Chávez já voltou atrás, e uma coisa é falar em guerra, uma palavra que não deveria nem ser pronunciada, e outra é a questão prática e objetiva das bases na Colômbia.

FOLHA - Como o Brasil reage aos termos do acordo EUA-Colômbia, agora públicos?
AMORIM - O acordo contém ambiguidades. Não fala apenas de combate ao narcotráfico, fala também em ameaças comuns à paz e à democracia. O que são ameaças comuns à paz e à democracia? Quem define o que é? Quem dirá quais são? Então, não é uma questão de se assustar ou não, é de você se preparar juridicamente e por meio da conversa. É da soberania colombiana ter auxílio americano para combater a guerrilha e o narcotráfico no país? É. Mas bases estrangeiras na América do Sul preocupam? Preocupam. Se amanhã tiver uma base iraniana ou russa na Venezuela, nós também vamos manifestar preocupação.

FOLHA - Os EUA e a Colômbia desdenharam o texto da Força Aérea que Chávez leu na Unasul como "papel acadêmico", mas o teor do documento oficial do Pentágono é a mesma coisa. Eles tentaram enganar a região?
AMORIM - Os dois textos são muito próximos e, em algumas partes, praticamente idênticos, só com uma redação um pouquinho diferente. Eles falam inclusive em autonomia de voo e no quanto isso é muito importante para os EUA, para ter uma projeção de poder sobre a América do Sul. Sem dúvida, é muito preocupante, sim.

FOLHA - Quando os americanos falam em países inamistosos, é uma referência direta à Venezuela?
AMORIM - Se os venezuelanos pensarem dessa maneira, você não poderá dizer que eles têm mania de perseguição.

FOLHA - Portanto, Chávez está certo em preparar o espírito venezuelano para a guerra?
AMORIM - Não, não, não, não, porque não creio que guerra ocorrerá.

FOLHA - Quanto aos EUA?
AMORIM - Acho que os EUA precisam ter mais franqueza com a região. Até por isso o presidente Lula propôs a reunião com o presidente Obama. Ele não fez. O presidente Obama talvez esteja muito preocupado com o Iraque, o Afeganistão, os problemas internos, e talvez isso venha impedindo que ele se concentre nesses temas. Pode ser que, quando ele venha a se concentrar, ele descubra que as relações dos EUA com a América do Sul tenham se deteriorado. Espero que isso não ocorra, mas que as bases são fator de preocupação, isso são.

FOLHA - O Brasil ainda tenta mediar conversas de EUA e Venezuela?
AMORIM - Por que não dialogam diretamente? Se os EUA conversassem diretamente com a Venezuela, dariam uma percepção para o governo e para a sociedade venezuelana de que os EUA podem ter suas divergências, mas que não vão voltar a se envolver no futuro em nenhum golpe, como em 2002. Então, por que não destacam um enviado especial?

FOLHA - A Venezuela mal dialoga com a própria Colômbia...
AMORIM - A Venezuela pode até ter rivalidades com a Colômbia, mas ela não se sente ameaçada pela Colômbia, ela se sente ameaçada é pelos Estados Unidos. Então, no dia em que ela caminhar para um diálogo com os EUA, com uma certa franqueza, grande parte do problema desaparece. No mínimo, diminui.

FOLHA - A Venezuela no Mercosul aumenta resistências ao bloco?
AMORIM - Falam até que isso é que impede o acordo do Mercosul com a União Europeia. Ora! A gente não faz acordo com a União Europeia porque a oferta de carnes deles é uma porcaria, a oferta agrícola é uma droga.

FOLHA - E o Paraguai? O Brasil promete mundos e fundos desde julho, mas até agora nada.
AMORIM - Até meados da próxima [desta] semana, o acordo [sobre Itaipu] vai para o Congresso. É uma determinação do presidente Lula.

FOLHA - O mito Obama está sofrendo um choque de realismo?
AMORIM - Bem, avançou na questão de Honduras, pelo menos até agora, mas não quero fazer um inventário de culpas e responsabilidades. As intenções declaradas são positivas, vamos apostar nas intenções. Ainda é cedo. Eles têm lá seus obstáculos internos, não conseguiram nem nomear o embaixador no Brasil até agora.

"Israelense, iraniano e palestino quiseram vir"

Neste trecho da entrevista, Celso Amorim avalia a aproximação do Brasil do Oriente Médio, evidenciada pelas visitas dos líderes israelense, iraniano e palestino ao país. (EC)



FOLHA - O Brasil vê algum avanço nas negociações do Oriente Médio com a troca de Bush por Obama?
AMORIM - Para falar a verdade, não temos visto avanços, não. Pelo contrário, o anúncio da renúncia de Mahmoud Abbas [presidente da Autoridade Nacional Palestina, de buscar a reeleição] é sinal de fadiga de alguns líderes que estão perseguindo justamente a linha pacífica e do diálogo.

FOLHA - Qual a pretensão do Brasil ao receber no mesmo mês Shimon Peres (Israel), Mahmoud Abbas e Mahmoud Ahmadinejad (Irã)?
AMORIM - Não se trata de pretensão. Eles têm interesse em vir porque acham que o Brasil pode ter um papel no Oriente Médio. E há também interesses bilaterais. O nosso comércio com Israel passou de US$ 1 bilhão, e eles têm interesse inclusive na área aeronáutica. Com o Irã, chegou a US$ 2 bilhões, antes de cair, porque todos caíram com a crise. No caso da Autoridade Nacional Palestina, o interesse comercial é modesto, mas queremos ter boas relações com eles, queremos ajudá-los.

FOLHA - Como o Brasil, tão longe, fora do eixo de poder, pode se meter no Oriente Médio?
AMORIM - Tem de perguntar para eles, porque eles é que vieram aqui. Se o Brasil estivesse dando uma de oferecido, nem ia ser recebido tão bem. Eles diriam "bye bye, tchau", não precisariam estar se deslocando para discutir, entre outras coisas, o Oriente Médio. O Brasil é um país grande, com peso no sistema multilateral, e há também a figura do presidente Lula, que é visto como conciliador, tem carisma.

FOLHA - O que o Brasil lucra recebendo o presidente do Irã, que sofre isolamento internacional e fortes reações internas?
AMORIM - Não vejo nenhum isolamento internacional. Ao contrário, pela primeira vez, os americanos estão sentando à mesa com os iranianos, inclusive para debate nuclear. Quanto às questões internas, não nos cabe fazer nenhum juízo de valor sobre o presidente do Irã. Eles têm muito interesse na área de energia, do biocombustível a hidrelétricas, e nós, na área de alimentos, de agricultura, de cooperação. E podemos conversar sobre vários temas internacionais, sobretudo sobre o Oriente Médio mesmo. O Irã é um ator importante na região, com 80 milhões de habitantes e uma história grande. Não é uma questão que dependa de a pessoa gostar ou não.

FOLHA - Como dialogar com Ahmadinejad sobre a região, após ele pregar "varrer Israel do mapa"?
AMORIM - As pessoas mudam. Podem notar que tais afirmações não beneficiam seu país.

FOLHA - O governo monitora as manifestações contra ele, no dia 23?
AMORIM - Não sei de nada. A única coisa que vi foi uma faixa lá no Rio que deduzi ser do movimento gay, e acho muito bom. O Brasil é uma democracia, todos têm direito a se manifestar.

FOLHA - Já Israel diz que há uma "infiltração iraniana" na América do Sul, a partir da Venezuela.
AMORIM - É que as pessoas precisam viver sempre com um pesadelo. Antigamente, era a infiltração soviética. Agora, como não existe mais URSS, é o iraniano, não sei mais quem. Nada disso tem procedência nem ameaça o Brasil.

Nenhum comentário:

Postar um comentário