Tempos difíceis, mundo complicado, em transformação, hierarquias lentamente se movem através de relações cruzadas, geometrias variáveis, retas e curvas multidimensionais, coalizões, grupos de interesse nacionais, setoriais, regionais, locais, familiares, históricos, étnicos, raciais, socioambientais.
Estava relendo o post abaixo, refletindo sobre seu sentido, a possível exacerbação do nacionalismo chinês, indiano, dos nacionalismos em geral. A emergência de guerras em períodos de transição no sistema internacional.
Eu fico preocupado.
A ordem atual é injusta, isso é fato. Transformá-la é uma necessidade. Mas esse período de transformação é difícil, perigoso, andamos por uma trilha escura sinuosa com lama sob chuva rumo a lugar desconhecido, lugar algum, à noite, é noite, sim, é noite no Mar da China e aproximam-se quatro submarinos nucleares da Classe Ohio, máquinas de dissimulação e destruição, sob os olhares plácidos do USS George Washington, not the Founding Father, no, nein, non, não certa ideologia mítica, mas sim sua transfiguração séculovinteum, super porta-aviões descansando na Coréia do Sul, vigiando, monitorando, como o servidor central de uma rede, a rede militar, a hierarquia do poder mundial, entre nações, países, empresas, partidos, famílias, indivíduos.
Estou viajando aqui, mas só uma grande viagem para tentar transmitir os desafios à nossa frente, é a história se desenrolando sob nossos próprios olhos e seu rumo me preocupa, esse texto acima me assustou, a naturalidade, a obviedade do movimento, sonho com uma pequena jangada singrando o rio Caraíva mas observo estupefato um porta-aviões monumental encarando Pequim, fazendo o que?, indo aonde?, pra que, amigo?.
O trágico dos nossos tempos, meus caros leitores, é, ao reler o texto abaixo, dar-me conta de que Washington e Bruxelas não estão exatamente alinhados, pelo contrário, não sabem bem o que querem. Há um ponto em comum, fato, fundamental, ambos desejam manter seus privilégios no sistema internacional, resistem, dobram as apostas. Mas divergem entre si quanto aos meios, a dosagem, prioridades.
Nos EUA e na Europa, vamos reconhecer, a confusão interna é grande. Ainda se digere um processo de enorme redistribuição de riqueza em suas sociedades. A crise financeira se traduziu em perdas e ganhos para os diferentes segmentos do setor privado, para as burocracias e o Estado como um todo. O Estado perde, divide-se a conta. Jogam-na para as futuras gerações, que não entendem bem o que se passa. É a socialização das perdas dos ricos, não tenham dúvida disso, um processo brutal. Mas também a socialização das perdas de uma geração.
O Estado perde. O setor privado e as famílias também. O sistema político arbitrou e segue arbitrando quem leva e quem não leva. Ativos financeiros, liquidez, prazos, taxas de juros, câmbio, prêmios de desconto. Dívida pública, dívida privada, garantias. Penso que compreender essa mecânica é fundamental para uma análise política mais crítica como as que os tempos atuais sugerem ser necessária.
Já estava para escrever sobre certo cinismo das classes abastadas norte-americanas e européias que hoje clamam por uma redução dos déficits públicos. Acumularam enormes lucros na fase altista, quando da formação da bolha. Aí veio a crise, causada pela ganância, pela desregulamentação que promoveram, pela irresponsabilidade, pela crença em sua própria superiodade, demasiada arrogância, des noveaux économistes, a picaretagem de muitos intelectuais. Foram resgatados pelo Estado, que evitou que os ativos privados virassem pó. O resgate multiplicou a dívida pública.
Os culpados de ontem elegem novos culpados para hoje. "Os governos gastam demais". "É preciso austeridade". Lucram na alta, quebram o Estado, obrigado a socializar perdas, e agora forçam o peso do ajuste nos mais pobres. Corte de gastos é menos crescimento, mais desemprego, menos proteção social. Seu argumento é fraco, poxa, enviesado, ideologicamente tão óbvio, vejam só: "Uma trajetória sustentável para as contas públicas aumentará a confiança. As taxas de juros poderão permanecer baixas por mais algum tempo. A confiança nas contas do governo levará as famílias a gastar mais, o setor privado a investir. Retomaremos assim o crescimento, que facilitará o processo de redução do endividamento público." Esse argumento, amigo, é bastante questionável, para dizer o mínimo. Discussão técnica chata, pode se tornar longa, mas politicamente muito clara, pois límpido está quem ganha e quem perde, não é difícil adivinhar.
Curiosamente, ao adentrarmos as rubricas da qualidade do corte de gastos demandado pelas grandes elites ocidentais, vemos que não há menção aos custos da enorme máquina militar naval que se deslocou para a costa da China, perto de Pequim, vejam só, tampouco demandam redução das despesas das forças que ocupam parte do Oriente Médio. É tudo muito engraçado, um teatro sensacional, mas na verdade dramático e profundamente lamentável, não nos iludamos.
Garantia é confiança, credibilidade é crédito, segurança é paz.
A guerra. Moedas reservas. A expansão da dívida pública. A hierarquia do poder mundial. A máquina para matar, a máquina para imprimir dinheiro, a pressão diplomática, os títulos da dívida pública, o controle dos meios de comunicação.
China. Índia. Ásia. Brasil? Desafios às potências dominantes. Civilizações. Visões de mundo. Há possibilidade de acomodação entre as elites mundiais ou se jogarão mesmo na insanidade da guerra? Jogar-se-ão, serão jogadas, jogarão o jogo da destruição?
"Como pôde isso acontecer? Como deixamos acontecer?" É uma loucura, eu sei, esse post está a maior viagem.
Eu me preocupo. Nenhuma transição do poder mundial em larga escala ocorreu sem a emergência de grandes guerras. E hoje observamos claramente um desses períodos de transformação. Tensões diversas. Acomodações provisórias. Alianças, blocos, coalizões.
Somemos a isso a questão ambiental. O crescimento populacional (seremos 9 bi em 2050). A disputa por fontes de energia e alimentos. Por água.
O petróleo segue jorrando nas profundezas do Golfo do México. A regulamentação do setor financeiro ficou no fetiche. Mesmo a reforma dos norte-americanos, algum avanço, é bastante tímida. Os lobbies de certa forma venceram, ganharam tempo, não sei bem. O G-20, reforçado em certo sentido para dividir a culpa na hora da crise, é alvo atualmente de ceticismo. O G-8 se esforça para manter as rédeas de um mundo que não mais lhe pertence, procura dividir os emergentes. Em 2011, a gloriosa França presidirá o G-8 e o G-20, atenção aos franceses, herdeiros da revolução, Vive la France, Vive la Republique, seus caminhos serão os nossos.
A ONU segue fraca. Doha está inconsciente na UTI. Copenhaguen ficou na promessa. EUA e Rússia anunciaram um acordo de desarmamento. Que beleza, sobraram apenas umas 2 mil ogivas. Como bem disse o Presidente Lula, jogaram fora uns remedinhos com validade vencida. O Brasil e a Turquia trazem o Irã de volta à mesa. Nobody cares, que ousadia desses caras. Viva Hillary, anjo da guerra, há orgasmos na imprensa brasileira! Eles querem sanções, estão dispostos à guerra, não desejam tentativas de diálogo. Não sabem o que falam, perdoai-vos, meu pai. A coisa tá complicada, Tempos Difíceis, como já cantavam os Racionais no início da década de 90.
Eu me preocupo, não estou brincando. Essa frota norte-americana nos arredores de Pequim me assustou, é sério. Demonstração explícita de poder, recado, intimidação. Os descalabros na esfera das finanças internacionais também são impressionantes. Plutocracias sequestram os ideais democráticos, a República, o mundo que li e não vivi. As burocracias internacionais são impotentes, inertes, acomodadas, submissas. De que vale uma carreira brilhante numa estrutura que parece se encaminhar para a desintegração? Dilemas pessoais, dilemas profissionais.
Esse post foi uma reação, um desabafo silencioso aos sobreviventes que de vez em quando passam por esse humilde e distante blog. Também resultado da manhã chuvosa em Pequim. O passeio de bicicleta até a Praça da Paz Celestial teve que ser adiado. Esse é um rolê magistral que faz tempo venho planejando. Ficou para a próxima. Segue a vida, vida que segue. Espero estar exagerando em meu negativismo. Pessimismo no pensamento, otimismo na ação. Paz aos homens de bem. Zaijian!
sexta-feira, 9 de julho de 2010
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A situação é preocupante mesmo e poucos, como você, parecem se dar conta disso. Esse canto em que você está, então, me lembra a Europa em 1914 (sem falar no sempre explosivo Oriente Médio).
ResponderExcluirPois é, Bruno, preocupo-me mesmo. Os gastos militares têm crescido em todos os continentes. Aqui no Ásia você tem um xadrez de interesses complicado e os países também estão se armando. Tava relendo uns posts no mesmo sentido, tem um outros ao qual eu já havia dado esse nome de "Tempos Dificeis" e mais um "So o Fim" que cita exatamente o período imediatamente anterior à 1a Guerra. Quando, é bom lembrar, por uma cagadinha de merda, um anarquista que matou o herdeiro do Reino da Sérvia, não é isso?, todo um castelo de cartas desmoronou. Podemos aqui estar falando de um período de um, cinco ou vinte anos, não importa, a tendência é perigosa. Todos cantam a paz, mas se preparam para a guerra, essa é a verdade...
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