terça-feira, 29 de setembro de 2009

Armadilhas previsíveis e repetitivas

A cobertura da grande imprensa em temas econômicos e de política externa é muito fraca. Enviesada, politizada, cínica em alguns momentos. Conforme as eleições forem se aproximando, isso só vai piorar. O processo eleitoral é também uma janela para alguns oportunistas. Vamos lá:

1: A posição fiscal brasileira é excepcional. Conforme já demonstrei em posts anteriores, quando comparamos o Brasil aos outros países do G-20, estamos muito tranquilos. Se compararmos os números com outros momentos de nossa história, também não há o que contestar.

Porém, só leio e escuto que há uma gastança generalizada, que há farra fiscal, aumento de gastos permanentes que nada têm de anti-cíclicos. Chavões, meias-verdades, exageros óbvios. Basta ver os números. É simples.

Se acrescentarmos ao excelente quadro atual o crescimento da economia mais firme em 2010, 2011, 2012..., num cenário de taxas de juros muito mais adequadas, embora ainda altas, temos que a relação dívida/PIB não apresenta o menor problema.

Porém, não é isso que diversos "analistas" e "jornalistas" por aí têm colocado.

2) Na medida em que, segundo o discurso, há uma farra fiscal e considerando o crescimento econômico esperado de 4-5%, a segunda perna do oportunismo dá como certo um aumento da inflação para 2010. Ignora assim incertezas externas, uma inflação que no Brasil é, segundo diversos estudiosos, muito mais de custos do que de demanda, o câmbio valorizado e a concorrência dos importados. O raciocínio muito esperto é de uma certeza que me espanta.

3) Daí vem a terceira e última perna da jogada. Na medida em que há farra fiscal e que isso trará inflação, dá-se como certo um aumento dos juros. O mercado já precifica uma taxa futura maior. Cria-se um cenário. O BC entra no jogo e adverte para os riscos do tal descontrole fiscal, insinuando subidas nos juros. Forma-se um consenso, solidificam-se expectativas. E assim a profecia se tornará realidade. E o mais engraçado é que os juros maiores, aí sim, vão bater direto nas contas públicas. 1% a mais nos juros deve significar uns R$ 12 bilhões em gastos. Essa é uma verdadeira farra fiscal, mas curiosamente seus arautos posam de responsáveis defensores da estabilidade. Cortem os gastos públicos: demitam policiais federais, fiscais do Ibama, da Receita, reduzam os vencimentos dos diplomatas, dos aposentados, cuidado com os aumentos no salário mínimo.

É interessante também que nessa jogada tão manjada e óbvia não apareça ninguém para questionar a premissa fundamental que assinalei no item 2: a inflação no Brasil é mesmo de demanda? E prossigo: a taxa de juros de curto prazo é o melhor instrumento para controlá-la, tenhamos ou não essa inflação de demanda?

Por fim, por que o Brasil necessita de taxas de juros reais tão acima de cento e noventa tantos países no mundo? O que explica nossa jabuticaba?

Há ainda uma cereja no bolo dessa brincadeira toda: é o chamado "risco político" para 2010. Algo que perdeu muita força com o passar dos anos e o gradual enfraquecimento da ideologia e do poder de fato dos analistas de mercado, do investidor estrangeiro, dos credores da dívida, enfim.

A democracia, por natureza, é o reino do contraditório. Da divergência, das alternativas, das opções. Mas a "racionalidade do mercado", seus dogmas, seu jogo de cartas marcadas, a manada, enfim, fica preocupada nesses momentos. Pedem mais, eles querem mais. É apenas um exemplo do que chamo de "totalitarismo liberal de mercado", hoje felizmente muito enfraquecido, mas ainda operando. No reino da racionalidade econômica, as eleições muitas vezes não são bem vistas.

O rentismo se vê ameaçado pela queda nos juros reais. Pelo avanço dos bancos públicos na ofera de crédito em melhores condições. Há ainda a velha ladainha contra os gastos sociais. São muitas coisas.

Ninguém aqui é contra o mercado ou o equilíbrio nas contas do governo. Mas é preciso bom senso, números, argumentos, e não um ensaio de jogadinha manjada como já vimos no passado. E deve-se respeitar o processo democrático.

Nem Serra, nem Ciro, nem Dilma, nem Aécio, nem Marina nem ninguém ameaça a excepcional posição em que o Brasil se encontra. Nem o Zelaya muito menos o Chaves.

É hora de amadurecer o debate. Fico feliz, portanto, ao ver alguns analistas de mercado, economistas de grandes bancos, comentaristas políticos, saindo do lugar comum, olhando as dificuldades de outros países e comparando-as com nosso potencial, e afirmando corajosamente: não há o que temer, o Brasil deve avançar, não há riscos, o quadro é sólido.

São exceções, é verdade, mas cada vez menos raras. Quando Estado e Mercado operam afinados para o desenvolvimento da Nação, num país absolutamente pleno em recursos como o Brasil, não temos o que temer. Muito menos um tal "risco político", como se a divergência democrática e a avaliação de alternativas, eventuais mudanças de rotas, fossem contrárias ao interesse da sociedade.

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