segunda-feira, 3 de maio de 2010

Política Externa e Eleições

Política externa, eleições e academia/opinião

José Flávio Sombra Saraiva

A política externa do Estado democrático é expressão ampliada da interna, embora a primeira não seja simplesmente extensão da segunda. A externa deve expor as áreas de consenso dos interesses nacionais, os valores históricos da nação e agir de forma mais dilatada no tempo. Move-se a política externa, primordialmente, no campo do mediato. Atua com mais racionalidade operacional que as paixões domésticas das lutas partidárias internas.

A política doméstica, mais nervosa e superficial, está mais sujeita às turbulências da pólis. É mais profana que os altos interesses e valores ensaiados pelo Estado em sua inserção internacional. A política externa, no entanto, está mais dependente das condições ambientais do cosmo, do mapa-mundi, das mudanças do sistema internacional.

Área em geral sob o controle do príncipe, a política externa não é boa de voto. Os súditos estão em geral preocupados com matérias tangíveis e imediatas. Mesmo em regimes democráticos modernos, a política externa não engorda carreiras políticas de postulantes aos cargos eletivos do Estado, seja no Legislativo, seja nos governos nacionais ou subnacionais. Isso se verifica na Europa, nos Estados Unidos e também no Brasil.

O Brasil tem acumulado positivo na simbiose do jogo político interno com o externo. Aqui o regime político e o líder de plantão quase não tiveram papel internacional além das possibilidades do país, dos anseios da nação e dos meios objetivos que dispomos. Os militares mantiveram, na ditadura, os padrões pendulares entre uma inserção autonomista e desenvolvimentista com a abertura associativista aos interesses das grandes companhias internacionais. Mas nem o regime autoritário nem a democracia recente de 25 anos atentaram contra o padrão de inserção global do Brasil. Seguiu sendo área responsável.

País novo, calmo, desconfiado de protagonismo sem meios, a ensaiar sua maturidade de dois séculos de soberania no sistema das relações internacionais, o Brasil soube glosar a construção da nação com a busca de autonomia externa por cooperação. É um patrimônio a ser conservado e renovado com ousadia e grande prudência.

Não houve mudança radical nos parâmetros na ação internacional do Estado nacional nas relações internacionais no século 20 e início do novo século. Soubemos mover o Brasil para um desenvolvimento econômico bastante original ao sul a linha do Equador, uma experiência industrialista razoável, respeito internacional por não sermos um país que se alinha de forma automática às hegemonias dos grandes e por termos construído a fronteira mais pacífica da Terra, desde o encerramento da última guerra de fronteira, há 140 anos.

No momento atual, como em outras quadras históricas, a política externa do Brasil está muito mesclada com a política interna. As razões são múltiplas. Oscilam da visibilidade internacional do chefe de Estado, passam pela ampliação do raio de ação dos interesses brasileiros e da internacionalização de suas empresas, ou mesmo até pela “compra do Brasil” pelo capital global, ou por novas formas de vulnerabilidade nacionais como a fraqueza doméstica para financiar novo ciclo altruísta de investimento de futuro.

Valeria, portanto, uma olhada acerca do que a academia brasileira vem estudando, pesquisando e escrevendo acerca do lugar do Brasil no mundo. Há uma extraordinária produção brasileira de relações internacionais, alimentada por quatro programas de doutorado nessa área, de elevado patamar, além da criação da Associação Brasileira de Relações Internacionais (Abri), da renovação da Revista Brasileira de Política Internacional e da implantação dos 120 cursos de graduação em relações internacionais no país. Valeria mesmo ver o que pensam os professores nos grandes debates.

Os debates, lamentavelmente, vêm sendo dominados pelas paixões da política interna e das legendas partidárias. Estão concentrados nas comprometidas opiniões de atores corporativos em disputa por cargos na manutenção ou na alternância de poder com as eleições que se avizinham. As deformações de avaliação chamam a atenção. É hora de mais reflexão, de mais política externa e de menos política interna quando o tema é o Brasil no mundo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário