segunda-feira, 29 de março de 2010

Lamaçal em Brasília



Na foto, intervenção artística de um pessoal legal e muito querido em frente à gloriosa sede do Governo do Distrito Federal.

Quem acompanha o blog sabe que em alguns posts já havia comentado sobre as desventuras da especulação imobiliária no Distrito Federal, fortemente ancorada no poder político local, cujo símbolo maior era a presença de Paulo Otavio como vice-governador. Sob o silêncio vergonhoso da imprensa do DF, e nacional, o rolo compressor do executivo no legislativo aprovou alterações no Plano Diretor que abriam as portas, arrombavam-nas, para o deleite de grileiros, especuladores e construtoras, além de todo o setor de comercialização. Creio que apenas 4 deputados do PT e o Reguffe, do PDT, votaram contra.

O Setor Noroeste é o símbolo de tudo isso. Situado entre duas grandes áreas de proteção ambiental, em meio a nascentes e ligações pluviais importantes nessa região do cerrado, o novo Plano Diretor liberava geral para o soerguimento de nova área para apartamentos de luxo. Para "facilitar as coisas", ao invés de licitações por edifício, fizeram por quadra, assim só os grandes teriam bala para participar. Tudo correu rápido, desde a aprovação do Plano, com poucas e "encomendadas" audiências públicas, até a realização das licitações iniciais. O marketing ficou por conta do tal "bairro sustentável", que para mim é uma hipocrisia semelhante à dessas grandes empresas e bancos que se dizem verdes mas estão inteiramente integrados à uma lógica maior que é contra tudo que eles dizem prezar.

Dei uma passada pela região do Noroeste logo antes de sair do Brasil. Os tratores estavam lá arregaçando geral. Cerrado abaixo. Corrupção, concentração de renda. Prédios para os ricos. Mais carros, mais trânsito.

Pois bem, com o afundamento do Governo do GDF e a vergonhosa nudez de toda a elite política local, a merda começa a subir para a superfície. Foi paga propina para os deputados aprovarem o novo Plano Diretor. Acho que ficou no mesmo patamar das outras sujeiras da área de informática: 40% Arruda; 30% Paulo Otavio; o resto para os deputados, talvez alguns secretários. Aqui e ali a imprensa começa a ouvir partes interessadas (urbanistas, ecologistas, acadêmicos) que desvendam como foi o processo de aprovação do Plano.

Não tenho detalhes por estar distante, acompanhando muito mais os temas da China e da Ásia, trabalhando bastante, mas o fato é que já está mais ou menos claro o que eu apenas insinuava aqui.

Brasília chocou-me logo que cheguei. Onde moram os pobres, os empregados domésticos, vigilantes, motoristas, etc...? Nas cidades-satélite, 30km ou 50km distantes. O horror, quase um cenário totalitário. As mansões do Lago Sul, mansões do ParkWay. E a massa num inferno distante, uma segregação social explícita. Com meios de transporte limitados, caros.

O planejamento do DF pode até ter sido feito com boas intenções, mas deu errado. A República não se encontra refletida no ordenamento urbano de Brasília. Havia, sim, um sistema totalitário, pois incrivelmente poucas das pessoas com as quais eu me relacionava questionavam isso, atentavam para tal absurdo, uma completa aberração. Até surreal: Brasilia, toda organizadinha, limpinha, florida, planejada... porém com enormes guetos em seu entorno.

Artistas, lógico, tinham essa percepção bem clara. Vladimir Carvalho, guerreiro ainda forte, tá na ativa, filmou a obra-prima documental que é o Conterrâneos Velhos de Guerra. Acadêmicos escreveram sobre a evolução do GDF. Tenho alguns, diversos livros, com teor bastante crítico.

Pouco antes de sair para o exterior, em uma de minhas crises profissionais, pensei até em me desligar de minha profissão, dar um tempo, mudar meu título para o DF e sair candidato a deputado distrital por algum partido. Chutar o balde, jogar pra cima, partir para uma outra na qual eu seria mais independente, na qual poderia lidar com coisas mais concretas, mais próximas à nossa realidade do que a política internacional. Não fui por aí, escolhas, receios, mas logo depois veio a público a merdalhada toda e hoje penso que minhas chances seriam muito maiores caso tivesse insistido nessa pequena loucura. E cá estou escrevendo sobre a possibilidade de uma bolha na economia chinesa, sobre os desencontros China-EUA, sobre a enorme rede de trens de alta velocidade que eles estão construindo...

Saudade grande do cerrado, torcida à distância, esperança de que dias melhores virão. O Reguffe deveria sair candidato a Governador, ele me parece um cara com boas idéias, recordo-me dele denunciando o Setor Noroeste, o tal "bairro sustentável".

Um comentário:

  1. Tonino para distrital!!! Acho que com paciência daria certo. Vá tomando coragem...
    Julia

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