quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Uma das piadas do ano

Já comentei sobre isso, mas não resisto e transcrevo a coluna do Vinicius Torres Freire na Folha de hoje. Bernanke, Person of the Year, piada do ano, certamente. A não ser que a Time esteja falando em nome de Wall Street. Leiam o artigo. Abaixo dele, prossigo com alguns comentários altamente subversivos.

"VINICIUS TORRES FREIRE

Homem de visão, a piada do ano

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Bernanke, presidente do Fed, que menosprezou a crise e depois arrumou a vida da banca, vira "Homem do Ano"
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BEN BERNANKE é a "Personalidade do Ano" da revista "Time". Bernanke preside o Fed, o banco central americano. O "prêmio" da "Time" é frufru publicitário, mas Bernanke vai ficar ainda mais "pop", ele que já vem sendo louvado pelo establishment americano, afora a extrema direita psicótica.
"Imagem é tudo", memória é nada. Bernanke assumiu o Fed no início de 2006. Ou seja, desde quando "até os urubus eram belos, no largo círculo dos dias sossegados", para citar Cecília Meirelles num contexto disparatado. Mas os urubus já pousavam nos beirais de Wall Street.
Quando ainda assessor econômico de George W. Bush, em 2005, Bernanke começava a queimar a língua. "Jamais tivemos queda nacional nos preços das casas", dizia, para negar o risco de colapso no mercado imobiliário, que afundaria mais de 25%.
Um mês depois de assumir o Fed, Bernanke inaugurava a longa série de discursos que entraram na longa história de negaças, desconversas, negligências, patranhas ideológicas e mentiras puras de governos. "Nossos técnicos nos dizem que os padrões de empréstimo estão, no geral, sólidos e não são comparáveis aos padrões mais frouxos que contribuíram para a crise dos empréstimos e poupanças de duas décadas antes", dizia Bernanke para negar o rumor de crise imobiliária, que detonaria a explosão das finanças e a recessão.
Bernanke, cinco meses depois: "As famílias americanas, em geral, têm administrado bem suas finanças pessoais ... O peso da dívida parece estar em níveis administráveis, e os índices de inadimplência em empréstimos ao consumidor e hipotecas residenciais estão baixos".
Em meados de 2006, Paul Krugman escrevia o seguinte em sua coluna do "New York Times": "O crescimento nos últimos três anos foi movido principalmente pelo boom do setor habitacional e pelo aumento acelerado nos gastos dos consumidores. As pessoas puderam comprar casas, apesar de os preços da habitação terem subido mais do que suas rendas, porque as aquisições estrangeiras de dívida americana mantiveram as taxas de juros em nível baixo... Nós nos tornamos uma nação na qual as pessoas ganham a vida vendendo residências umas às outras e pagando por essas residências com dinheiro emprestado da China. Agora essa brincadeira parece estar chegando ao fim".
Com o que Bernanke se preocupava no ano em que ele foi, digamos, o "Homem de Visão"? Com a "saúde" dos pobres: "A reforma de nossos insustentáveis programas de benefícios deveria ser uma prioridade".
Com a China, que vivia o risco de um "pouso forçado": "Embora o setor bancário esteja saturado com enorme e, provavelmente, crescente estoque de empréstimos problemáticos, o governo tem reservas consideráveis e é pouco provável que deixe o sistema bancário quebrar".
Bernanke negou a crise até que fundos começaram a explodir, em março de 2007, mas abafaria o caso até 2008, quando propôs "reestruturação da dívida das famílias", calotes organizados, intervenção estatal no mercado imobiliário e, enfim, começou a doar dinheiro à banca. Vários economistas de Clinton e Bush, pelegos do mercado, arrumaram tal confusão. Mas Bernanke arrumou a vida da banca. Merece um prêmio."


Gostaram? Isso me recorda o Malan. A despeito de ter quebrado o país, de ter promovido uma enorme socialização das perdas em 1998-2003, de ter nos jogado durante 6 anos no colo do FMI, o cara é idolatrado pela banca e pela imprensa "especializada". Ou então o Meirelles, que apesar das barbeiragens é considerado âncora do mercado financeiro no governo, garantia de bom senso, responsabilidade, sensatez, bom nome para Vice-Presidente, e blablabla.

São coisas meio surreais. Creio que os historiadores, em algumas décadas, se divertirão passeando pela antropologia, por alguma sociologia, de sociedades dominadas por indivíduos que buscam maximizar o retorno de seus ativos financeiros. E a forma como a política se subordinou à sustentação desses mecanismos de gestão patrimonial e ampliação da riqueza sob a forma líquida. Por isso essa mistificação de figuras como Greenspan, Bernanke, Malan, Meirelles, os operadores dos mecanismos de sustentação dos ativos financeiros onde se concentram e multiplicam as formas de riqueza dos estratos superiores da sociedade. Mistificação, endeusamento, mesmo com os notórios e sucessivos estragos que suas políticas causam, é incrível. Mas aí é que está a chave, estragos para quem? Em geral, para os orçamentos públicos, pois o Estado entra para resgatar os imprudentes e tentar sustentar os preços dos ativos. Os investidores, os insiders, a parcela do 1%, estes compram na baixa e são resgatados na alta. No Brasil, em Wall Street, na City...

Gostaram da prolixidade? Da complexidade? Estou aprendendo a escrever difícil, heheeh. Se um dia ficar conhecido, Madame Natasha vai puxar minha orelha. Eu quis descrever algo como "capitalismo financeiro", para usar um chavão já um pouco surrado. E falei sobre a leniência com bolhas e depois o risco moral, a apropriação de recursos públicos por entes privados sob o argumento de que se eles perderem o sistema todo quebraria.

Taí, o sistema, é o sistema. A máquina. Greenspan, Malan, Meirelles e Bernanke são apenas operadores. Garotinhos de recados. Quem são os donos da máquina?

A continuar...

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