segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Tecnica jornalística

Técnica jornalística apurada. Estilo Veja:

"Olha, não podemos provar, mas também não podemos dizer que é mentira, portanto estamos publicando".

Ou então

"Fontes do Palácio do Planalto afirmam que se instalou um clima de terror no governo com as novas denúncias. Foi montada uma operação abafa."

Ou então o velho e bom ping-pong com o submundo dos dossiês de Brasília, os vazamentos selecionados, as edições, para tratar tudo depois como "apuração jornalística" e se defender com o sigilo de fonte.

Adjetivos, muitos adjetivos. Faça conexões com personagens controversos. Monte a historinha. Se necessário, coloque como testemunha uma pessoa já morta, como foi feito no caso dos dólares de Cuba. Ou então ponha Daniel Dantas na capa da revista afirmando ter descoberto contas de Lula no exterior.

Enfim, vá ao fundo do poço, manipule, acuse, difame, calunie, ataque sem piedade. Se alguém falar em regulamentação, direito de resposta, controle de propriedade ou qualquer coisa do gênero, escreva um editorial sobre a liberdade de expressão ameaçada por um governo com tendências fascistas.

Sem limites

Não basta dizer que tudo que deu certo no atual governo é continuação de FHC.
Não basta afirmar que nunca houve tanta corrupção quanto hoje.
Não basta declarar que há aparelhamento, incompetência e gastança.
O PAC é uma ilusão. O Bolsa Família é compra de votos. A política externa é ideológica, envergonha o país. Foram os meninos do mercado instalados no BC que salvaram o Brasil das burrices da Fazenda.
Não basta "descobrir" subitamente que Sarney tem telhado de vidro e assim tentar derrubar a base de Lula no Congresso.
Não basta uma CPI da Petrobrás, baseada em um dossiê falso, às vésperas da votação do marco regulatório do Pré-Sal.
Não basta falar que o irmão do Lula é um peão corrupto, que seus filhos são ladrões, que os sindicalistas estão bebendo whisky, de parentes de Ministros que fazem tráfico de influência, dos supostos amantes da Dilma.
Dos dólares de Cuba, do dinheiro das FARC, do Foro de São Paulo, essa enorme ameaça.
Não basta chamar Dilma de terrorista assassina, Celso Amorim de anão moral, Lula de analfabeto, ignorante, alcoolatra, canalha.

É preciso mais.

Há eleições em 2010.

Um passo além: Lula é um estuprador. Lula é um canalha frio e calculista. Um homossexual enrustido que abusou de meninos no cárcere.

Para quem tinha dúvidas, não há mais.

Se preciso, descerão ao inferno.
Descerão ao inferno para derrotar o metalúrgico analfabeto.
O ignorante sem estudo.
O nordestino sem dedo.

É preciso humilhá-lo, desmoralizá-lo.
Castrá-lo, estuprá-lo.
Currar o Presidente Lula.

domingo, 29 de novembro de 2009

Interesting Times

Boa matéria do Economist sobre a redução da pobreza no Brasil, na China e na Índia. Não basta apenas crescer, é óbvio.

E aqui um bom artigo do Krugman no New York Times, Taxing the Speculators, ampliando o coro a favor de uma taxa sobre as transações financeiras. Deixem os bancos ocidentais brincando, bancando lobbies bilionários, surfando na liquidez, distribuindo bônus enquanto lutam contra qualquer forma de regulação. Vai crescendo a pressão política, a crise não está terminada, o crescimento é baixo, o desemprego é alto e permanecem ativos podres nas carteiras dos bancos. Pena que os amigos de Geithner tenham tanta influência sobre ele. E é pena que Obama esteja tão solitário, em conflitos e confusões variadas, pressionado pelo establishment, pelo aparelho de Estado, pela dívida, pelo mundo em desenvolvimento, pela China, pelo Iraque, por mais tropas no Afeganistão, pelas sombras de Bush e de Bin Laden, etc...

Uma palavra rápida também sobre a Federação Brasileira dos Bancos, Febraban. Vi que eles mudaram sua logomarca, segundo consta para tornar mais leve a imagem do sindicato mais poderoso do país. Li declarações do seu Presidente afirmando que os bancos devem se preparar para crescer menos dependentes dos juros do CDI, ou seja, de títulos pós-fixados que ocupam um bom espaço em seus balanços. (Pré-fixados também, acrescento).

Concordo plenamente. Há amplo espaço para financiamento do consumo e da produção. Financiamentos à massa incorporada ao mercado, aos necessários novos investimentos, se possível mais de longo prazo, como comentou o Mantega outro dia, com o setor privado atuando junto ao BNDES, ao BB, etc... Financiamento também para o setor habitacional, a imensa demanda reprimida por habitações dignas no Brasil. Alô alô saneamento básico, transporte de massa. Vamos lá Febraban!

O povo aplaudirá nossos banqueiros ao saber que desejam atuar em consonância com as necessidades do país, acreditar no país, confiar, credere. O povo não mais os criticará por viver do rentismo parasitário, da mera intermediação do capital externo, com posterior socialização das perdas, e de conchavos oligopolísticos. Se somarmos as qualidades tecnológicas com a solidez dos bancos nacionais e acrescentarmos um espírito de competição e o compromisso com o desenvolvimento da nação, teremos aí uma Febraban que nem precisará mais de logomarca. Estou brincando, mas é sério. Falo sério, mas estou brincando.

E chegamos então à gloriosa Dubai, um dos sete Emirados dos Emirados Árabes Unidos, que atualmente estão uma verdadeira bagunça das arábias ho ho ho. Agora todo mundo vai dizer: eu sabia, eu sabia, eu sabia. Eu também sabia, pera aí. Quando fui a Doha, cansei-me de comentar que já achava estranho tudo aquilo lá, muito forçado, dinheiro jogado pelo ralo, surreal tantos contrastes no deserto. Tinha até pista de esqui. E aquelas ilhas artificiais, aquela forçação de barra, uma certa grana esvoaçando, o ouro negro se tornando papel pintado e sem valor sob uma aparência de luxo vulgar para consumo instantâneo.

Primeiro a bolha imobiliária estourou e isso já vem lá do início de 2008. Agora o default. E nos perguntamos: há mais desses por aí?

No caso em questão, parece que os brimos de Abu Dhabi vão ajudar no resgate. O Financial Times tava simplesmente exigindo isso em editorial hehe. O HSBC tá entalado até o pescoço em Dubai. Outros bancos europeus também. Que beleza. Aqui um breve comentário no blog do Krugman. O Roubini para variar soando algumas trombetas do Apocalipse. O Economist adota tom mais sensato, aquela coisa sóbria dos ingleses, sem citar que o HSBC tá na brincadeira. Vamos com calma aguardar o seguimento desse negócio. O fato é que a quebra de Dubai é mais um exemplo do delírio financeiro que se exacerbou nessa última década. É um caso menor, periférico quando comparado ao que observamos recentemente em Wall Street, na City, em Frankfurt e Paris, mas enfim, é mais um rolo das arábias ho ho ho. Anyway, we continue to live in interesting times., conforme finalizou o post nosso amigo blogueiro Nobel.

Debaixo dos caracóis da L4 Sul

Ontem à noite rolou o samba, o samba raiou, aquelas noites de Brasília, céu aberto estrelado enluarado, uma maravilha, e cantam e dançam as moças, está quente e desfilam os vestidos mais bem vestidos e sorrisos e passos e beijos e abraços e é o sol que nasce e já me deixa com saudade.

Notícias do Distrito Federal

Parece até que sabia, foi curioso. Há algumas semanas, arrisquei alguns rabiscos sobre a estrutura urbana de Brasilia. Uma geografia social segregada, distante, hierárquica, e é tudo tão quadrado, tão planejado, segue a rotina burocrática, arranjo ideológico, cultural e político de certa circunstância do cerrado brasileiro que tomou vida própria, disforme, PauloOctavio Grupo OK Via Empreendimentos sob as batutas da Terracap, da Justiça e da gloriosa Câmara Distrital do DF.

E agora, na sequência de ter publicado um post sobre os planos do Governo do Distrito Federal (GDF) para a Copa do Mundo, aparece essa bomba no colo do pessoal. Tá feia a coisa para eles. Estilhaços estão voando. Juridicamente, não dá para dizer para onde a coisa vai andar, mas politicamente o estrago está feito e não é pequeno. O Arruda vai tratar de salvar a pele, o Paulo Otavio também. Algumas cabeças menores já foram rifadas, inclusive o cara que organizava a Copa em Brasília, Chefe de Gabinete do Arruda (o antigo Chefe de Gabinete foi para o Tribunal de Contas do DF ai ai ai...).

Já escrevi aqui, e tanta gente bem intencionada vem repetindo isso, que o financiamento das campanhas, de maneira geral, e a montagem de coalizões no Poder Legislativo, especificamente, conformam grandes fraquezas da República. Vou escrever mais sobre isso. Essa seria uma grande reforma a ser feita no primeiro ano de mandato do próximo Presidente. Para facilitar a aprovação, as mudanças poderiam passar a valer apenas nas eleições de 2014, 2016 ou mesmo 2018.

Alguns dirão que é muito longe, pode até ser, mas não penso que importe muito, o fundamental é tornar a política menos dependente do dinheiro, é uma das coisas que eu diria sem dúvida fazem parte dos grandes interesses da nação.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Nos barracos do Real Parque

O G2 dá um passo atrás?

China e EUA anunciaram algumas "metas", se é que se pode colocar assim, para Copenhaguen. Acho que não dá ainda para tirar qualquer conclusão mais definitiva. Vamos aguardar Copenhaguen, esperar alguns meses mais, rolaram alguns dados mas o cenário é inconclusivo.

Pan, Copa, Olimpíadas & Política Externa

O que os eventos esportivos têm a ver com a política externa? Pouco. Tirando a questão da campanha, quando há um trabalho diplomático, e o fato do país se abrir para o escrutínio estrangeiro quando da realização do evento, nada muito direto não. A Espanha não se tornou um país mais influente por ter realizado Barcelona 1992. A África do Sul não irá muito longe se ficar contando apenas com o evento de 2010. As Olimpíadas de Pequim foram uma cereja no bolo da China, mas nada que fizesse aqueeela diferença.

A Copa e as Olimpíadas podem ser boas ou ruins. Podem ser boas para atletas, patrocinadores e imprensa, quando tudo vai bem, instalações de primeira, jogos indo numa boa, lucros razoáveis, tudo legal, na esportiva. Mas pode ser ruim para o país quando há desvios de recursos, a criação de elefantes brancos, a privatização de lucros excessivos e a socialização das perdas.

Mas, enfim, essa divagação inicial nem é por nada não. É apenas falta de tempo e a velha preguiça. Dois assuntos sobre os quais gostaria de dar uma palhinha:

É incontestável que a política externa se tornou assunto de política interna. Isso já é meio complicado normalmente, pois em política externa não cabe demagogia, não se joga para a torcida, as relações internacionais têm valores e objetivos diferentes da política interna. Há políticas que são de Estado. Quem nega isso não entende nada. Quem finge que não é bem por aí pode até enganar alguns incautos, mas se desqualifica perante o público mais esclarecido, seja lá o que isso signifique. Se considerarmos que estamos às vésperas de eleições que prometem ser bastante duras, para usar um eufemismo, a coisa complica ainda mais. Paro por aqui.

O outro assunto é a questão do TCU e o Pan 2007. Tá difícil votarem esses relatórios, mas que demora, ó vida, ó céus...

Além da Copa 2014. O blog do José Cruz informa que o GDF vai torrar R$ 700 milhões no novo Mané Garrincha. Se somarmos a isso os R$ 500 milhões do VLT, a reforma anterior milionária no estádio do Gama (atualmente sem uso), obras no aeroporto e otras cosas, quem sabe bateremos no R$ 1,5 bilhão. Que beleza, que beleza. Quem conhece o GDF, sabe que não há outras prioridades. Então tá.

O blog ainda informa que o Mineirão só terá projeto básico em março do próximo ano. E o Maracanã, após já terem sido gastos uns R$ 300 milhões em reformas anteriores, chute meu, não tem nem projeto ainda.

Enfim, gastos públicos, lucros privados. Ricardo Teixeira é Presidente do Comitê Organizador da Copa, o que é uma aberração. É óbvio que o Presidente da Federação não pode ser o organizador. Coisa básica. Mas é pior. Sua filha é Secretária-Executiva do Comitê.

E quem são os grandes patrocinadores da Copa? Grupos empresariais e financeiros, mega-grupos, conhecidos por serem sustentáveis, favoráveis às atividades ligadas à filantropia social e cultural e históricos advogados da necessidade de educação do povo. E quem também é sócia da Copa? A família Marinho, que promove a arrecadação do Criança Esperança todo mês de outubro (ou seria setembro?).

Depois dizem que o Estado é corrupto, ineficiente, perdulário. Pois é, ele pode ser. Mas quem corrompe? Quem é cúmplice? Quem passa a mão na cabeça? Pois não é o setor privado que ser apropria dos recursos gerados pela corrupção, ou pelo desvio de prioridades, do Estado?

Ofendi alguém? Radical, chato, mala sem alça. Às vezes, sou eu mesmo. Não é para dizer que sou contra Copa, Olimpíadas ou qualquer festa no país. Quem me conhece sabe que estou longe de não gostar de uma festa. Ainda mais em se tratando de esporte. É para alertar que há formas de se fazer a coisa. Que estamos repetindo os erros do Pan. Que há uma enorme hipocrisia em toda a propaganda desses eventos.

Na minha ingênua opinião, é preciso seriedade e transparência. Não dá, por exemplo, pro Ricardo Teixeira ser Presidente do Comitê Organizador e colocar a filha para tocar o dia-dia. Onde estão a Globo, o Itaú, a Brahma, o Pão de Açucar, o Governo Lula e o resto do pessoal para impedir isso? É tão óbvio.

Em segundo lugar, é preciso planejamento. Já estamos atrasados. A real é que vai ficar tudo pra última hora, aquela confusão, aquele desespero, os Ministros serão outros, Prefeitura, Governo Estadual, então quem está agora no poder não está preocupado, vai enrolando. E os organizadores contam com o salvamento no final. Dispensa de licitação, inexigibilidade, o dinheiro do Governo Federal, os atalhos de sempre.

Por fim, na minha infinita ingenuidade, alguém tinha que chegar na Fifa e falar: olha aqui, pessoal, o Brasil é um país em desenvolvimento, temos prioridades sociais e políticas que infelizmente nos obrigam a abrir mão de estádios tão modernos e caros, aeroportos tão amplos e confortáveis, etc... Prometemos o melhor evento esportivo do mundo, mas vocês vão pegar leve nessas exigências. Vamos fazer o básico, dar aquele conforto tranquilo, mas nada de espetacular apenas para que Vossas Excelências passem um mês aqui como nababos entretendo seus sócios patrocinadores do evento. Aqui é Brasil, Capão Redondo, Favela da Maré, Garanhuns, Riacho Fundo, Jequitinhonha, palafitas, não rola, calma aí meus distintos amigos suíços que lavam mais branco.

Leiam o blog do José Cruz. Há uma boa entrevista com o Silvio Torres, um deputado do PSDB de SP que faz um trabalho interessante. Mas insuficiente.

Ingenuidade, idealismo. Triste o mundo em que isso está errado. Apenas uma ilusão.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Aprendendo chinês

Ai que preguiça.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Delírios da Economia Política Colonizada

Nesse outro post, havia comentado brevemente sobre alguns delírios travestidos de análise econômica publicados com amplo destaque no Estadão. Desta vez, não era algum gênio do mercado financeiro, mas sim um acadêmico da FGV/RJ. Ontem, reparei surpreso que o Nassif publicou um post esculhambando o mesmo cara, que continua repetindo platitudes semelhantes às da matéria que eu havia citado.

Confesso que fiquei muito satisfeito ao saber que ele seria o economista do Alckmin em 2006. Está fechada a equação. Eles se merecem.

Confiram a esculhambada que toma nosso fantástico amigo da orla botafoguense. De quebra sobrou algum para um conhecido, e já citado nesse blog, repetidor de lugares comuns e baboseiras a serviço dos de sempre.

Glória Feita de Sangue

Glória Feita de Sangue é um dos muitos clássicos de Kubrick.

Já disseram por aí que a verdade é a primeira a morrer numa guerra, é quase um clichê. Penso na relação entre política e verdade. Política e moral. Ética e poder. Uma luta.

Kubrick fez um filme político, idealista. Uma peça forte, contundente. Erros do alto comando. Mortes em vão. Mortes em massa. Política. Política burocrática. Resistência. Coragem.

Essa cena final é um sopro de esperança. Um retorno à humanidade. Os soldados cantam e choram. O cinema de Kubrick permanece. Falei de Rossellini outro dia, mas creio que não há nada dele aqui. A cena final de Alemanha Ano Zero. Uma paulada. Outro dia.

sábado, 21 de novembro de 2009

Os sopradores de bolhas

Ben Bernanke, atual Chairman do FED, em entrevistas a partir de 2005. Soprou a bolha e hoje administra a catástrofe. Segundo ele na época, e muitos money managers de hoje em dia para justificar a especulação câmbio/juro com o real, são os "fundamentos".

Como já coloquei, chupinzando o título do livro do Rogoff, sempre que alguém disser que "dessa vez é diferente", temos uma bolha. Acrescento que quando ouvirmos a conversa de que não se deve interferir com os movimentos do mercado, significa que estão ganhando muito dinheiro com esse movimento. Caso contrário, quando por exemplo tudo ruiu no ano passado, virão correndo anunciar o apocalipse e pedir dinheiro do governo, liquidez, injeções de capital, alteração nas regras contábeis, etc...

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Mestre Ambrósio

Sêmen
Mestre Ambrósio
Composição: Siba e Bráulio Tavares

Nos antigos rincões da mata virgem
Foi um sêmen plantado com meu nome
A raiz de tão dura ninguém come
Porque nela plantei a minha origem
Quem tentar chegar perto tem vertigem
Ensinar o caminho, eu não sei
Das mil vezes que por lá eu passei
Nunca pude guardar o seu desenho
Como posso saber de onde venho
Se a semente profunda eu não toquei?

Esse longo caminho que eu traço
Muda contantemente de feição
E eu não posso saber que direção
Tem o rumo que firmo no espaço
Tem momentos que sinto que desfaço
O castelo que eu mesmo levantei
O importante é que nunca esquecerei
Que encontrar o caminho é meu empenho
Como posso saber de onde venho
Se a semente profunda eu não toquei?

Como posso saber a minha idade
Se meu tempo passado eu não conheço
Como posso me ver desde o começo
Se a lembrança não tem capacidade
Se não olho pra trás com claridade
Um futuro obscuro aguardarei
Mas aquela semente que sonhei
É a chave do tesouro que eu tenho
Como posso saber de onde venho
Se a semente profunda eu não toquei?



Tantos povos se cruzam nessa terra
Que o mais puro padrão é o mestiço
Deixe o mundo rodar que dá é nisso
A roleta dos genes nunca erra
Nasce tanto galego em pé-de-serra
E por isso eu jamais estranharei
Sertanejo com olhos de nissei
Cantador com suingue caribenho
Como posso saber de onde venho
Se a semente profunda eu não toquei?

Como posso pensar ser brasileiro
Enxergar minha própria diferença
Se olhando ao redor vejo a imensa
Semelhança ligando o mundo inteiro
Como posso saber quem vem primeiro
Se o começo eu jamais alcançarei
Tantos povos no mundo e eu não sei
Qual a força que move o meu engenho
Como posso saber de onde venho
Se a semente profunda eu não toquei?

E eu
Não sei o que fazer
Nesta situação
Meu pé...
Meu pé não pisa o chão.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Fracassam as negociações sobre o pós-Kioto

Deu tilt nas negociações do clima. Em reunião da APEC (Ásia-Pacífico), foi anunciado que a vaca foi pro brejo. Não teremos algo legally binding, mas sim um compromisso político. Parole, parole. Em 2010, quem sabe. Como a Rodada Doha.

Bom, isso já era previsível pelo andar da carruagem. Negociações difíceis, relutância de China e Índia, o pacote do clima enrolado no Congresso dos EUA. O Brasil, com seu recente anúncio de compromissos voluntários, uma matriz energética muito menos poluente e números recentes que apontam queda no desmatamento, está bem na foto. Marina Silva também vem a calhar, força movimentos mais firmes de outros atores. Mas sozinhos, pouco poderemos contribuir. Seria preciso um comprometimento dos outros.

O que mais me chamou a atenção, no entanto, foi o anúncio conjunto de Brasil e França, no qual foi explicitado pelo Presidente Lula, não sei se também pelo Sarkozy, que os países não aceitariam que China e EUA se reunissem sozinhos e tentassem pautar o resto do mundo. Como sabemos, Obama está viajando pela Ásia. Bom, a pá de cal não saiu da dobradinha, pior, foi da Cúpula da APEC, ou seja, envolveu diversos outros países. Mas nenhum europeu. Nenhum africano. Nenhum árabe. O Brasil tava fora. Quantos exportadores de petróleo estavam na jogada?

Vivemos um momento claro de reordenamento da política internacional. Com a crise financeira eclodindo nos centros mais "avançados" do sistema, também se questionam premissas e estruturas da economia política liberal antes hegemônica. Insegurança alimentar, insegurança energética, instabilidade no sistema monetário, a ameaça da mudança climática, jogos de poder, blocos regionais, rivalidades regionais, alianças de geometria variável, enfraquecimento da ONU, laivos protecionistas, o risco de desvalorizações competitivas, conflitos no Oriente Médio, proliferação nuclear. Teremos deflação ou inflação?

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

O canto da sereia

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA:
O matuto e o "momento mágico"

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Será que os brasileiros sabem dos prejuízos e dos perigos que correm em meio a tanto elogio? Será que Lula percebe?
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O BRASIL "vive um momento mágico", o Brasil é "um ganhador", "chegou a hora do Brasil" -são essas as frases que hoje lemos na imprensa estrangeira, é dessa forma que nos veem os investidores estrangeiros. E o presidente Lula é visto como o grande herói dessa saga moderna -como o líder político que, sem se desvincular de seus compromissos com os pobres, dizem amavelmente os estrangeiros, revelou-se plenamente confiável para os ricos dentro e fora do país. Uma entrevista de página inteira de Lula no "Financial Times" e 14 páginas na "Economist" celebram esse clima favorável ao Brasil.
Qual será a atitude do presidente diante de tudo isso? Faço essa pergunta porque Lula, dotado de notável inteligência, tem a argúcia do matuto e por isso deve ficar desconfiado com tanto elogio. Afinal, por que seria o Brasil "o melhor dos Brics", como não se cansam de afirmar os investidores estrangeiros não obstante nossa taxa de crescimento seja menor, e nossa economia, mais instável do que a dos outros três países? É verdade que ninguém é de ferro diante de elogios. E que um clima de euforia pode ajudá-lo a eleger seu sucessor. Mas Lula deve saber muito bem como é perigoso ouvir os bajuladores.
Mas serão bajuladores os países ricos, suas empresas multinacionais, seus políticos, seus jornalistas? Faz sentido pensar em tal palavra para caracterizar gente tão distinta? Provavelmente não. Talvez seja implicância minha. Entretanto, um fato é concreto: o Brasil trata os investimentos estrangeiros de uma maneira muito diferente da usada pela China, ou pela Índia, ou pela Rússia. Não exigimos reciprocidade, somos, como eles nos dizem, "os mais acolhedores". Tão mais acolhedores que isso parece compensar para eles o fato de que nossa economia cresce muito menos do que a dos outros Brics.
Essa história dos Brics foi uma invenção engenhosa de um analista da Goldman Sachs, mas serviu para "lançar" o Brasil na arena internacional. Na verdade, são os dois Brics mais frágeis -o Brasil e a Rússia- que estão se aproveitando para se valorizar no plano internacional. Foi, aliás, a Rússia que hospedou a primeira reunião dos quatro países, na cidade de Yekaterinburg, em junho deste ano. Ao se identificar com o novo "título", a competente diplomacia brasileira logrou transferir para o Brasil uma qualidade que é dos outros três países. Assim, além de sermos um país grande em termos de território e de população e de termos uma renda média, passamos a ser vistos também como um país que cresce extraordinariamente.
Tomara isso fosse verdade. Mas não é. Como os três outros Brics, já saímos da crise, mas nosso crescimento continua menor. O mais grave, porém, é que não é um crescimento com estabilidade. A atual taxa de câmbio ajuda a combater a inflação, mas, além de prejudicar o crescimento, endivida o país e o torna sujeito a novas crises. O ministro Guido Mantega sabe disso e se preocupa; há cerca de um mês chegou a protestar contra tanto elogio. Percebe os riscos do ufanismo. Será que Lula também percebe? E -o que é mais importante- será que os brasileiros também estão se dando conta dos prejuízos que sofrem com acolhida tão boa aos interesses estrangeiros -inclusive por aceitarem essa taxa de câmbio? Será que sabem dos prejuízos e dos perigos que correm em meio a tanto elogio? Não estou seguro, mas penso que estão ficando cada vez mais desconfiados.
Afinal, nem sempre os brasileiros se deixam enganar. São também matutos e olham com o rabo dos olhos os "momentos mágicos".
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LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

Nota do blog: Creio que Lula percebe sim, ele sabe. É nosso Macunaíma, inteligentíssimo. Mas é difícil lidar com o oba-oba dos de sempre salivando diante do capital externo, das perspectivas da bolsa e da arbitragem. Uma medida quase banal como o IOF foi atacada com virulência. Às vésperas de eleições, não será agora que teremos grandes mudanças, penso. Em termos de política externa, também não vejo nenhum deslumbramento. Há espaços, estamos num momento de reordenamento, e o Brasil vai ocupando alguns deles. Não há vácuo na política.

Pirraça no BC

A reportagem sobre o Torós, Diretor de Política Monetária do Banco Central, no caderno de sexta-feira do Valor é uma peça que beira o ridículo. O cara não só força a saída de maneira extremamente deselegante, rasteira, canhestra, como abertamente já está distribuindo currículo para o mercado financeiro.

Ele salvou o Brasil da crise. Desmontou a armadilha dos derivativos cambiais. Dirigia pelas ruas de São Paulo pensando nos riscos para a população mais pobre. Torós é o máximo. Viva Torós. Vai voltar para o Santander? Morgan Stanley? Alguma administradora de recursos dos muito muito ricos?

Como sabemos, o BC brasileiro reiniciou a subida dos juros em meados de abril/08, pois havia "riscos de inflação". Se não me engano, o BC até aumentou os juros em setembro/08, pouco antes do Lehman quebrar. E só foi baixar os juros, a maior taxa real do mundo, em janeiro de 2009! Foram realmente geniais. O BC ainda incentivou empresas exportadoras, que perdiam na operação com a valorização do câmbio, a se tornarem meramente financeiras, pois garantiam o seu com os swaps reversos. Trocavam o operacional pelo rendimento no financeiro. Apostas. Fantástico.

Nossos noveaux economistes, ignorando completamente a questão ética do vai-e-vem Estado-mercado, montaram esquemas geniais. Isso vem desde o Plano Real. Todos se tornaram multimilionários, é incrível. São os verdadeiros rent-seeking, os tais interest groups que tanto criticaram quando se referiam às políticas protecionistas do passado. Pois não é que os financistas tomam conta de espaços no aparelho de Estado e estabelecem políticas que apropriam parcela da renda nacional para si próprios e seus amigos?

Acho engraçadíssimo o teatro científico que montam para justificar a predominância rentista. Em primeiro lugar, a criação do inimigo, do grande perigo, que no caso da economia brasileira não é Moscou nem Chavez, mas sim a inflação. Qualquer coisa que aconteça na economia brasileira ou mundial, temos então o risco de inflação. É um problema, não é boa, lógico, mas o superdimensionamento da possibilidade de retomada inflacionária justificou alguns exageros óbvios. Pois bem, esse é o contexto político mais geral. No específico, queria eu ter as chaves do modelo matemático. Discutir sobre a Nairu. Fazer apresentações sobre o produto potencial, o hiato do produto, tudo cheio de fórmulas e gráficos. No fim, defender a alta nos juros. Dizer que o câmbio é livre, que o mercado define seu valor. Afirmar sobejamente que a taxa de poupança interna do Brasil é baixa e, já que o governo não corta gastos, a poupança externa é fundamental, imprescindível, não há problema, é uma necessidade atrai-la.

Deixando de lado a esculhambação, ma non troppo, quando os analistas de mercado defendem a independência do Banco Central, na verdade estão querendo garantir seus amigos por lá. Perguntem a eles se defendem a independência do BC com o Belluzzo, o Ricardo Carneiro, Conceição hehe, ou outro. Aí eles vão dizer: nãããããão. Eles querem independência, mas desde que haja um amigo deles por lá. Muito espertos. Tchau Torós. Viva o Brasil!

Relações Brasil-EUA

Seguindo o post de ontem com a entrevista do Ministro Amorim, agora temos uma mais longa com o Embaixador Patriota neste link. Até para quem deseja sair do admirável mundo dos slogans (anti-americanismo, ideológica, chavista, terceiro-mundista) é interessante conhecer mais a fundo as linhas básicas da atuação brasileira hoje em dia.

O tempo não pára

O Interesse Nacional

Renato Janine Ribeiro escreveu um bom artigo na excelente Revista Interesse Nacional especulando sobre uma benéfica convergência PT-PSDB após as eleições de 2010. O Embaixador Rubens Barbosa e o Professor Carlos Pio, nas páginas tucanas do Estadão, não chegaram a expor os termos de maneira tão explícita e pormenorizada, até por questões de espaço e outras razões, mas flertaram com algo assim, quem sabe, acima de interesses partidários. O artigo do Pio, mais recente, do qual me recordo melhor, parte do correto questionamento de um excessivo personalismo nos partidos em particular e na política brasileira em geral. Mangabeira Unger, na Folha de hoje, também enumera pontos para uma agenda de consenso.

O diagnóstico deles, em geral, é bem razoável. Há pontos de contato, por exemplo, entre Janine e Mangabeira: o financiamento das campanhas, tema que esse blog flerta com alguma frequência. Nosso ex-Ministro Manga fala ainda da necessária cautela com a poupança externa e a necessidade do fim do rentismo, algo que assino embaixo. Já o Pio e o Embaixador Barbosa, se não me engano, desejam avançar a agenda da economia liberal.

E é na formação da agenda, óbvio, que está o problemaço. Para além das disputas de poder entre indivíduos e grupos, as propostas divergem em uma série de pontos. Mesmo prioridades são difíceis de se estabelecer. Reforma tributária: qual? Reforma política: o governo tentou uma minimalista esse ano e não saiu do lugar. Reforma da previdência: vizi...


Bom, como já coloquei aqui, este blog, seu humilde escriba, deseja formular as perguntas certas, pensar, explorar. Não tenho nem creio que seja muito recomendável esgrimir certezas tão absolutas, ainda mais em período eleitoral. Tenho as minhas em alguns temas, claro, mas em vários outros, a imensa maioria, são apenas dúvidas.

Esse pequeno post apenas levanta essa pulga de um diálogo mais nobre e sugere a seus três leitores que acompanhem essa idéia de convergência PT-PSDB num certo centro. A formação de uma agenda mínima de consenso. Com isso, quem sabe poderia ser evitada a tragédia que Ciro vem anunciando: a dependência da federação de interesses do PMDB para a governabilidade. Este PMDB que não joga esse jogo sozinho, mas enfraquece, deslegitima qualquer pretensão de moral, ética e interesse nacional. E do qual, a permanecer o confronto PT-PSDB, qualquer um será refém.

Esclareço aqui que essas idéias não fazem qualquer referência ao discurso do Aécio. A idéia dele é boa na superfície, é uma conversa atraente, mas nosso jovem Governador ainda carece de muitos aprofundamentos com relação, concretamente, ao que vai fazer, o que pensa sobre diversos assuntos, tirando o slogan vazio do "choque de gestão". Por enquanto, e ainda mais considerando seu flerte aberto com o mercadismo mais rasteiro, hoje desmoralizado, Aécio não convence. Porém, reconheço que parte desse bom ponto do diálogo entre "opostos", devo admitir, essa necessidade de conversa, bom senso, a arregimentação de interesses comuns, maiores, para que se garanta um suporte político que terá que ser mais forte do que o que tivemos nos Governos FHC e Lula.

Muitas idéias. Pouco tempo. Pouco espaço. Preguiça, sono, calor no cerrado, muito calor. Cansaço. O Santos perdeu outra. Há água na lua. 20 anos das eleições de 1989. 50 anos da morte de Villa-Lobos.

Rolam os dados

Amorim cobra "maior franqueza dos EUA com América do Sul"

ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

O chanceler Celso Amorim cobrou "maior franqueza dos EUA com a América do Sul", na primeira reação pública do governo ao documento do Pentágono para o Congresso americano confirmando o que os EUA sempre negavam: que o objetivo das bases na Colômbia não é só de combate ao narcotráfico, mas de projeção de poder na região.
Em entrevista à Folha, Amorim alertou: "Pode ser que, quando o presidente Obama venha a se concentrar nos temas da região, ele descubra que as relações dos EUA com a América do Sul já tenham se deteriorado. Espero que isso não ocorra".


FOLHA - O que mais assusta o Brasil: as ameaças de guerra de Chávez ou as bases americanas de Uribe?
CELSO AMORIM - O presidente Chávez já voltou atrás, e uma coisa é falar em guerra, uma palavra que não deveria nem ser pronunciada, e outra é a questão prática e objetiva das bases na Colômbia.

FOLHA - Como o Brasil reage aos termos do acordo EUA-Colômbia, agora públicos?
AMORIM - O acordo contém ambiguidades. Não fala apenas de combate ao narcotráfico, fala também em ameaças comuns à paz e à democracia. O que são ameaças comuns à paz e à democracia? Quem define o que é? Quem dirá quais são? Então, não é uma questão de se assustar ou não, é de você se preparar juridicamente e por meio da conversa. É da soberania colombiana ter auxílio americano para combater a guerrilha e o narcotráfico no país? É. Mas bases estrangeiras na América do Sul preocupam? Preocupam. Se amanhã tiver uma base iraniana ou russa na Venezuela, nós também vamos manifestar preocupação.

FOLHA - Os EUA e a Colômbia desdenharam o texto da Força Aérea que Chávez leu na Unasul como "papel acadêmico", mas o teor do documento oficial do Pentágono é a mesma coisa. Eles tentaram enganar a região?
AMORIM - Os dois textos são muito próximos e, em algumas partes, praticamente idênticos, só com uma redação um pouquinho diferente. Eles falam inclusive em autonomia de voo e no quanto isso é muito importante para os EUA, para ter uma projeção de poder sobre a América do Sul. Sem dúvida, é muito preocupante, sim.

FOLHA - Quando os americanos falam em países inamistosos, é uma referência direta à Venezuela?
AMORIM - Se os venezuelanos pensarem dessa maneira, você não poderá dizer que eles têm mania de perseguição.

FOLHA - Portanto, Chávez está certo em preparar o espírito venezuelano para a guerra?
AMORIM - Não, não, não, não, porque não creio que guerra ocorrerá.

FOLHA - Quanto aos EUA?
AMORIM - Acho que os EUA precisam ter mais franqueza com a região. Até por isso o presidente Lula propôs a reunião com o presidente Obama. Ele não fez. O presidente Obama talvez esteja muito preocupado com o Iraque, o Afeganistão, os problemas internos, e talvez isso venha impedindo que ele se concentre nesses temas. Pode ser que, quando ele venha a se concentrar, ele descubra que as relações dos EUA com a América do Sul tenham se deteriorado. Espero que isso não ocorra, mas que as bases são fator de preocupação, isso são.

FOLHA - O Brasil ainda tenta mediar conversas de EUA e Venezuela?
AMORIM - Por que não dialogam diretamente? Se os EUA conversassem diretamente com a Venezuela, dariam uma percepção para o governo e para a sociedade venezuelana de que os EUA podem ter suas divergências, mas que não vão voltar a se envolver no futuro em nenhum golpe, como em 2002. Então, por que não destacam um enviado especial?

FOLHA - A Venezuela mal dialoga com a própria Colômbia...
AMORIM - A Venezuela pode até ter rivalidades com a Colômbia, mas ela não se sente ameaçada pela Colômbia, ela se sente ameaçada é pelos Estados Unidos. Então, no dia em que ela caminhar para um diálogo com os EUA, com uma certa franqueza, grande parte do problema desaparece. No mínimo, diminui.

FOLHA - A Venezuela no Mercosul aumenta resistências ao bloco?
AMORIM - Falam até que isso é que impede o acordo do Mercosul com a União Europeia. Ora! A gente não faz acordo com a União Europeia porque a oferta de carnes deles é uma porcaria, a oferta agrícola é uma droga.

FOLHA - E o Paraguai? O Brasil promete mundos e fundos desde julho, mas até agora nada.
AMORIM - Até meados da próxima [desta] semana, o acordo [sobre Itaipu] vai para o Congresso. É uma determinação do presidente Lula.

FOLHA - O mito Obama está sofrendo um choque de realismo?
AMORIM - Bem, avançou na questão de Honduras, pelo menos até agora, mas não quero fazer um inventário de culpas e responsabilidades. As intenções declaradas são positivas, vamos apostar nas intenções. Ainda é cedo. Eles têm lá seus obstáculos internos, não conseguiram nem nomear o embaixador no Brasil até agora.

"Israelense, iraniano e palestino quiseram vir"

Neste trecho da entrevista, Celso Amorim avalia a aproximação do Brasil do Oriente Médio, evidenciada pelas visitas dos líderes israelense, iraniano e palestino ao país. (EC)



FOLHA - O Brasil vê algum avanço nas negociações do Oriente Médio com a troca de Bush por Obama?
AMORIM - Para falar a verdade, não temos visto avanços, não. Pelo contrário, o anúncio da renúncia de Mahmoud Abbas [presidente da Autoridade Nacional Palestina, de buscar a reeleição] é sinal de fadiga de alguns líderes que estão perseguindo justamente a linha pacífica e do diálogo.

FOLHA - Qual a pretensão do Brasil ao receber no mesmo mês Shimon Peres (Israel), Mahmoud Abbas e Mahmoud Ahmadinejad (Irã)?
AMORIM - Não se trata de pretensão. Eles têm interesse em vir porque acham que o Brasil pode ter um papel no Oriente Médio. E há também interesses bilaterais. O nosso comércio com Israel passou de US$ 1 bilhão, e eles têm interesse inclusive na área aeronáutica. Com o Irã, chegou a US$ 2 bilhões, antes de cair, porque todos caíram com a crise. No caso da Autoridade Nacional Palestina, o interesse comercial é modesto, mas queremos ter boas relações com eles, queremos ajudá-los.

FOLHA - Como o Brasil, tão longe, fora do eixo de poder, pode se meter no Oriente Médio?
AMORIM - Tem de perguntar para eles, porque eles é que vieram aqui. Se o Brasil estivesse dando uma de oferecido, nem ia ser recebido tão bem. Eles diriam "bye bye, tchau", não precisariam estar se deslocando para discutir, entre outras coisas, o Oriente Médio. O Brasil é um país grande, com peso no sistema multilateral, e há também a figura do presidente Lula, que é visto como conciliador, tem carisma.

FOLHA - O que o Brasil lucra recebendo o presidente do Irã, que sofre isolamento internacional e fortes reações internas?
AMORIM - Não vejo nenhum isolamento internacional. Ao contrário, pela primeira vez, os americanos estão sentando à mesa com os iranianos, inclusive para debate nuclear. Quanto às questões internas, não nos cabe fazer nenhum juízo de valor sobre o presidente do Irã. Eles têm muito interesse na área de energia, do biocombustível a hidrelétricas, e nós, na área de alimentos, de agricultura, de cooperação. E podemos conversar sobre vários temas internacionais, sobretudo sobre o Oriente Médio mesmo. O Irã é um ator importante na região, com 80 milhões de habitantes e uma história grande. Não é uma questão que dependa de a pessoa gostar ou não.

FOLHA - Como dialogar com Ahmadinejad sobre a região, após ele pregar "varrer Israel do mapa"?
AMORIM - As pessoas mudam. Podem notar que tais afirmações não beneficiam seu país.

FOLHA - O governo monitora as manifestações contra ele, no dia 23?
AMORIM - Não sei de nada. A única coisa que vi foi uma faixa lá no Rio que deduzi ser do movimento gay, e acho muito bom. O Brasil é uma democracia, todos têm direito a se manifestar.

FOLHA - Já Israel diz que há uma "infiltração iraniana" na América do Sul, a partir da Venezuela.
AMORIM - É que as pessoas precisam viver sempre com um pesadelo. Antigamente, era a infiltração soviética. Agora, como não existe mais URSS, é o iraniano, não sei mais quem. Nada disso tem procedência nem ameaça o Brasil.

domingo, 15 de novembro de 2009

sábado, 14 de novembro de 2009

A propósito

A propósito, tenho ido mais além do que geralmente ia. Pouco importa.

Recordo-me então de livro do mestre do neorealismo italiano Roberto Rosselini, mestre dos mestres, gênio do cinema, da política e da vida.

O título é "Um Espírito Livre não deve Aprender como um Escravo".

E Susan Strange vem à minha mente, States and Markets, Markets and Authority e outros. Viva Susan Strange. Leiam Susan Strange. Cultuem Susan Strange.

O Brasil terá seu próprio modelo de desenvolvimento. Essa é uma obviedade que incrivelmente precisa ser repetidamente renovada. Pois não é que outro dia, numa daquelas grandes peças de propaganda política travestidas de análise econômica isenta, um dos mestres da FGV/RJ estava no Estadão dizendo que teríamos que seguir o caminho australiano. Seguidos déficits em conta corrente, poupança externa, etc... Havia toda uma construção técnica e discursiva, cheia de certezas, é até divertido.

A Austrália... com 21 milhões de habitantes, que é o que temos na Amazônia. Com cangurus, imensas terras não aproveitáveis, uma monarquia constitucional parlamentar. Como será o carnaval na Austrália?

Um Espírito Livre não deve Aprender como um Escravo. E me recordo do grande Embaixador Carrilho me contando que Rosselini um dia lhe disse que a origem da palavra educar é castrar.

Ensaios de um esboço de análise sobre a psicologia do subdesenvolvimento

O Alon Feuerwerker, escreveu artigo um dia desses sobre Copenhaguen. Reproduzo aqui o início do texto:

"A boa cautela de Lula (08/11)
Se não nos convidaram para o banquete, soa um pouco excessivo que nos intimem a participar de igual para igual na hora de rachar a dolorosa.

É bom que o presidente da República esteja cauteloso nas discussões sobre o papel do Brasil na Conferência do Clima. E é curioso que os críticos do "protagonismo a qualquer custo" sejam agora os primeiros a exigir de Luiz Inácio Lula da Silva que coloque o Brasil na linha de frente das medidas contra o aquecimento global. É a dança da política."

Ele tocou num ponto interessante. Como sabemos, a política externa do Presidente Lula é muito criticada por algumas rodas "bem pensantes" do andar de cima nacional. Dentre outras razões, afirmam que o Brasil é muito arrogante, quer se meter em tudo, fala demais, inventa candidaturas fracassadas, dá vexame, faz papel de ridículo, etc...

Eu já tinha notado isso quando da pressão pelo apoio à candidatura de um brasileiro para presidir a poderosíssima UNESCO, que como sabemos é uma organização cujo controle da agenda faz toda a diferença na política internacional. Mas agora o Alon voltou ao tema de forma muito correta. Aqueles que criticam nossa megalomania, por exemplo, agora estão aí pedindo, lutando, exigindo que o Brasil dê um passo à frente em Copenhaguen, se mostre disposto a colaborar, seja ousado, etc.... É a dança da política, a dança das eleições 2010.

Bom, rapidamente: 1) os países ricos acumularam a a maior parte de todo esse carbono na atmosfera, beneficiando-se historicamente do atual modelo; 2) eles não fazem nada para mudar a situação e querem que a gente assuma compromissos antes deles mesmos fazerem isso 3) na hora de colocar a mão no bolso eles relutam, enrolam, deixam para depois, very funny indeed. 4) perguntem se eles topam flexibilizar a propriedade intelectual para tecnologias limpas...

E lá vai parte de nossos bem pensantes agora querendo que o Brasil dê o exemplo, se comprometa com metas ambiciosas, etc... Acho até que vamos fazer algo semelhante a isso, a conferir, não tenho muito a contestar, mas enfim, não é muito curiosa essa postura maleável de nossos críticos?

E vejam só que coincidência interessante: no caso da megalomania ou da arrogância, os casos criticados em geral se referem a posturas brasileiras de confronto com países poderosos. E nesse caso de Copenhaguen, em que nos pedem protagonismo, trata-se de agir como desejam os países mais ricos.

Não é apenas a dança das eleições: é também uma questão psicológica, histórica, a ser desenvolvida em outros textos.

Ou seja, para resumir essa curiosa linha política de certas elites nacionais:

Porrada no Paraguai, na Bolívia, no Equador, em nossos pobres vizinhos, nos pobres do Brasil, no Bolsa Família, nos que vivem de salário mínimo. Esqueçam a África, aquilo não presta, essa diplomacia terceiro-mundista ideológica de merda. Mercosul, Unasul, Países Árabes, isso não presta, é ideologia. Chavez deve ser enfrentado.

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Temos que adotar uma postura construtiva em Copenhaguen. Como assim ele disse que os brancos de olhos azuis são culpados pela crise? É importante termos acordos de livre comércio com os países mais ricos. O Brasil deve assinar o protocolo adicional do TNP para ser um país confiável.

Traduzindo... porrada nos pobres, violência, autoritarismo, exclusão ... e sujeição aos ricos, covardia, vamos nos adequar ao figurino, nos associarmos a eles, temos que respeitá-los, eles são muito superiores a nós.

Heranças perversas do colonialismo e da escravidão. Em pleno século XXI.

Sei que ficou meio caricato, mas é por aí mesmo. A continuar...

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Brasil século XXI

Hoje o Brasil está na capa do Economist. Decolando.

O Presidente de Israel está aqui. Daqui a pouco teremos a Autoridade Palestina. Na sequência, o Presidente do Irã. Uma trinca dessas, vejam só que trinca, atravessa continentes, mares e séculos para avistar-se com os conterrâneos dos trópicos por onde saltitou e brincou Macunaíma, nosso herói sem caráter. Golaço da diplomacia brasileira.

Alguns países e importantes figuras pedem ao Brasil que medie o bafafá entre Colômbia e Venezuela. Nesse meio tempo, teremos Cristina Kirchner aqui. No começo de dezembro, o Presidente Lula será recebido por Angela Merkel. E assim vai, num crescente...

É cada vez mais difícil para setores oposicionistas da grande imprensa taparem o sol com a peneira. Mas eles tentam e há gente que compra o que lê. Estão acostumados a desmerecer seu próprio país para melhor poderem pilhá-lo. Bom, esperar o que de quem jogou pesado para convencer a platéia de que o combate ao crime do colarinho branco é uma ameaça às liberdades e ao Estado de Direito. A ABIN não pode colaborar com a PF, vejam só, é ilegal, anulem todo o processo. Socorro, a República do Grampo, um Estado Totalitário.

E, bem, o rentismo resiste, clamam por uma alta na taxa de juros, querem mais bolhas e o câmbio valorizando. A arbitragem e a intermediação do capital externo são um dinheiro fácil, muito fácil. Uma das consequências, o déficit em conta corrente, que historicamente nos arrebentou, seria a contrapartida de nossa baixa poupança, o necessário complemento aos investimentos que tanto precisamos. Não há o que fazer, não faltará financiamento, nos dizem os arautos da "ciência" econômica e do discurso "técnico". Ficam aí esgrimindo identidades contábeis invertendo relações de causa e efeito. O câmbio, nessa fábula maravilhosa, é variável de ajuste para desequilíbrios mais fundamentais. Fingem ou talvez até acreditem que tais construções discursivas não representam interesses bem concretos. Não há o que fazer, segundo eles, desta vez é diferente. Como diria Kenneth Rogoff, um dos mestres de Harvard, sempre que alguém disser que "desta vez é diferente", não tenha dúvidas, estamos diante de uma bolha.

Os R$ 70 do Bolsa Família farão com que os pobres, esses vagabundos incompetentes que votam errado, se acomodem. E é uma irresponsabilidade aumentar o salário mínimo. As contas vão estourar. Mas espera aí, o mercado vê sinais de inflação em 2010 ou 2011. Há um perigo de descontrole, uma farra, um rombo. É melhor, por precaução, aumentarmos os juros pois os credores da dívida demandam um retorno maior diante de tantos riscos. É o mercado, não se pode enfrentar as forças do mercado, sempre haverá um jeito de burlar regras. As CC5, a lavagem de dinheiro, a evasão fiscal, o planejamento tributário. Os fundos offshore com isenção de impostos. O mar do Caribe, o guarda-chuva da família real em Jersey, a pompa e a circunstância de nossos fleumáticos suíços e seus vizinhos de Luxemburgo.

Se a Dilma ganhar, a democracia estará ameaçada. Profundo. Mas, enfim... Brasil século XXI. A luta continua. E o Brasil seguirá democrático com a vitória de A, B ou C.

Engraçado que finalmente hoje, quando o Economist, na sequência do Financial Times, o NYT, o Herald, bem, toda a imprensa internacional louva o Brasil, eu finalmente resolva postar o vídeo do Na Real do Real. Hoje, justo hoje que li Rodrik defendendo o IOF, mais um dos big shots do mainstream do debate da economia política toma posição em defesa da sinalização que o governo emitiu para os money managers. E após Taiwan ter também adotado precauções contra o afluxo das armas financeiras de destruição em massa, a enorme liquidez em busca de plataformas de valorização.

Favela do Real Parque, Morumbi, ao amanhecer. Em meio às mansões com segurança privada, cercas elétricas e circuitos internos de vigilância informatizados. De frente aos mais modernos prédios da Berrini, onde funcionam as subsidiárias nacionais de algumas das grandes corporações do capital cosmopolita. A modernidade, a tecnologia, uma ponte que brilha, brilha para a especulação. Dinheiro e poder. Poder e dinheiro. Segregação. A Justiça, a PM, às 6 da manhã. Perdoai os nossos erros, Ave Maria, cheia de graça, Olorum.

Ainda ficarei devendo comentários sobre tudo isso. Quem sabe em breve eu vá falar da maravilhosa Teresa Pires do Rio Caldeira. E do texto de Mariana Fix. E dos Conterrâneos Velhos de Guerra. O Setor Noroeste de Brasília. As cidades satélites e a ilha da fantasia, o Plano Piloto.

Brasil século XXI, contradições, desafios, oportunidades.
Amadurecimento.

Pensamento, voz, liberdade, Na Real do Real. A democratização dos meios de comunicação. Perdoai, Ave Maria

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

The week ahead: o G-2?

Do Economist:

BARACK OBAMA begins a trip to Asia on Thursday November 12th. A visit to Japan could prove to be frosty, even though the country is America's most important ally in the region, as the newly elected government has seemed unwilling to back American foreign policy, for example in Afghanistan. Mr Obama will also attend a summit of leaders from the Asia-Pacific region, the part of the world demonstrating the most robust economic growth. Most notable, the American president will spend four days in China, where talks may focus on international efforts to curb carbon emissions in the hope of limiting global climate change. Economic relations, in particular American concern about the weakness of the yuan, may also be discussed.

Para encerrar o domingão

Para encerrar o domingão, nesse pequeno retorno ao maravilhoso mundo da blogosfera. Poderia comentar sobre nosso amigo Obama que conseguiu uma vitóriazinha no Congresso com seu plano de reforma da saúde. Sobre o encontro do G20 em St. Andrews e alguns comentários do Ministro Mantega. Sobre Gordon Brown afirmando ser favorável a estudos sobre controles de capitais, o apoio francês, o IOF no Brasil e os crescentes alertas, inclusive do Institute of International Finance, de Soros e até de John Willianson, a respeito de novas bolhas nos enlouquecidos mercados financeiros globais.

Sobre o golpismo de parte da mídia que se assume como partido político e busca pautar a oposição. Sobre a falta de projetos de país e a incapacidade que ela tem de assumir um Brasil em transformação e apresentar idéias para o futuro. Sobre a idéia de que Lula vem solapando as instituições e a vitória de Dilma ameaçaria a democracia (versão pretensiosamente intelectual do golpismo). Sobre as respostas de Dilma, que parece ter uma disposição bem maior que a de Lula para o confronto. Vejam bem: Dilma bate de frente, pelo visto é seu estilo mesmo, bem diferente da paciência e do tom conciliador de Lula. E com isso volto às questões levantadas pelo Ciro: Lula consegue, mas quem mais aguenta? A necessária base no Congresso, o PMDB, a mídia, os bancos, os empresários, o agribusiness, o MST, o mercado, o entorno sul-americano, a força das grandes potências, a disputa por mercados, crédito, energia e alimentos.

Mas, porém, todavia, contudo, no entanto, antes de desligar o fim do domingo, mas aproveitando o assunto, o golpe e os da pesada, deixo Vinicius e Toquinho com o Samba de Orly.

domingo, 8 de novembro de 2009

Lorraine

Ela é um poema rico de alegria. Rico de se ouvir. Rico de se ver. Rico de sentir. Rico de dar prazer. Lorraine. Lorraine. Ela é a liberdade. Ela é a rima e o amor. Ela é a mulher, ela é a sensualidade. Ela gosta de amor na chuva. Amar na chuva com ela eu vou.

As Diretas

Pensando em Tancredo, no regime militar, na democracia, na redemocratização, no golpismo, no passado, no presente e no futuro, procurava algumas imagens e palavras do Tancredo em algum dos discursos das Diretas Já. Há um outro filme do Silvio Tendler, me esqueci o nome, mas é sobre a epopéia de Tancredo.

Mas, enfim, já que falei sobre 1964, Jango, derrotas e erros, antes de achar um filme com o Tancredo acabei topando com o velho Brizola, 20 anos após o golpe, diante de 1 milhão de pessoas no Vale do Anhangabaú. Ao lado de Montoro, FHC, Ulisses, Osmar Santos vai lá garotinho. Em reportagem da Globo que mostra vários lances prévios à grande concentração, inclusive o hino nacional, bem legal.

Vejam o drama brizoleano. As vaias desabam sobre sua cabeça. A reação, o discurso. A conquista do público. As palmas. Fica a homenagem deste blog a Brizola e a todos que estiveram envolvidos nas lutas pela redemocratização.

FHC, lulismo, golpismo, THC

No domingo passado, tivemos um artigo polêmico do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso nos jornais das famílias Marinho e Mesquita. Falando sobre o Governo Lula, FHC se confessou com receio de um certo "autoritarismo popular" que não sei bem se quer dialogar com a "ditadura da maioria". Ele não esclareceu. Disse ainda, vejam só que ironia, que se preocupa com o uso político dos fundos de pensão. Temendo um "subperonismo lulista", sem entrar em detalhes, clamou por um basta no continuísmo. Foi inevitável a lembrança de Regina Duarte dizendo "Eu tenho Medo" (2002).

Já na 5a feira, no mesmo dia em que Lula ganhava o prêmio de Estadista do Ano de uma instituição ligada à família real britânica, nosso amigo Caetano Veloso apareceu na capa, em grande destaque, no jornal da família Mesquita, chamando-o de analfabeto, grosseirão e coisas assim. Um conhecido articulista do jornal dos Frias insinuou uma farsa, destacando que grandes empresas estatais e privadas brasileiras teriam bancado o evento (na verdade, compraram mesas para o jantar com a elite inglesa, que apesar da crise não precisa ainda emprestar seu nome e prestígio por uns US$ 10 mil).

Os neo-udenistas, a oposição mais radical sem programa e sem discurso, os fazedores de manchetes e inspiradores de sensações rápidas, ou seja lá o que forem, baseiam seus slogans em três eixos fundamentais:

1) A corrupção é generalizada e o governo é conivente, é aliado, rouba para amigos e parentes;
2) Sindicatos, fundos de pensão, e grupos como o MST estão na mão do governo, o governo rouba também para eles, para grupos de suporte político e financeiro;
3) Chavez manipula a política externa brasileira, que tem um viés terceiro-mundista, é arrogante, amadora;

Se fosse discutir economia política, acrescentaria a "farra fiscal", o "intervencionismo nas livres forças do mercado", a "carga tributária escorchante" ou a "armadilha da previdência", algo ligado às chamadas "reformas" que Lula não fez.

Mas não é sobre economia esse post.

Voltando à política em seu sentido mais cotidiano, de mesa de bar, aqueles que procuram algumas portas para o diálogo, para um sentido de continuidade da democracia brasileira, argumentam que Lula apenas manteve o que de bom FHC criou e teria se beneficiado de uma conjuntura externa favorável. Com muita habilidade política, teria montado uma coalizão contraditória mas pragmaticamente eficiente, uma máquina de governo que foi reforçada por políticas assistencialistas e benesses a grupos específicos, como os sindicatos e funcionários públicos, por exemplo, além de empresários amigos.

Não pretendo discutir aqui essa segunda linha de oposição, mais democrática, humilde, construtiva, que nos levará à questão da suposta dicotomia entre PT-PSDB. Renato Janine Ribeiro foi outro a apontar recentemente o parentesco PT-PSDB e a idéia de que superem rivalidades personalistas para o bem do país.

Deixo esse debate para depois, pois esse é um post mais de combate. Sei que o ódio ao Presidente Lula existe, o preconceito, o desprezo, a vontade de tirá-lo de lá na porrada, afinal ele é um analfabeto, sem estudo, preguiçoso, vagabundo, arrogante, malandro, espertalhão. Eu conheço essa raiva como se conhecesse meu próprio bairro. É uma força muito grande. Às vezes penso que vem de algo como um DNA da Casa Grande, não sei bem explicar, um impulso segregacionista, de controle e dominação, enfim, tenho até dificuldades para descrever esse sentimento.

Por isso vou ficar aqui com os neo-udenistas, os slogans da grande e rasa mídia nacional, as teclas que são marteladas diariamente como num trabalho de lavagem cerebral, os três eixos que citei: dinheiro para si e para os amigos; dinheiro para financiar um esquema de poder; o poder como um fim, o plano secreto ou nem tanto de se perpetuar no poder.

São armas mais baixas da luta política, não projetos alternativos de país. Construções discursivas muito semelhantes às que frequentavam a atmosfera golpista das décadas de 50/60 e que causaram o suicídio de Getúlio, instabilidades controladas pela habilidade de JK e a deposição de Jango (pulo Jânio porque aí a coisa é mais complicada). Vejamos apenas alguns exemplos do tempo em que Perón pairava sobre a política argentina:

1) Getúlio e o Mar de Lama, JK e a corrupção na construção de Brasília;
2) Jango e a República Sindicalista, os marinheiros, etc...
3) Moscou por trás de tudo.

E pensando nisso, lembrei de mostrar um filme que encontrei no youtube. Creio que é um trecho do documentários do Silvio Tendler sobre o Jango, enfim, são imagens da sessão do Congresso de 1 de abril de 1964 e o áudio do Senador Auro Soares de Moura Andrade declarando vaga a Presidência da República, fornecendo assim algum substrato jurídico ao golpe. Jango teria se ausentado em momento fundamental do país. A racionale política do golpe, tal qual nesse teatrinho hondurenho: aquele que estava no poder tinha planos para acabar com a democracia. Ao tirá-lo do poder, portanto, salvamos a democracia. O comunismo ameaçava engolir o Brasil e nos colocar numa ditadura. Vamos nos antecipar. Viva a Revolução Democrática! Desce o pano

Gritos, reações entre os congressistas. Vaias, aplausos?!?! A miséria legislativa do golpe de 1964. Escracho, esculacho. Registro-o com satisfação. Com algum espanto também. E admiração pela expressão de Tancredo Neves. Vejam a cara de Tancredo. Ele que foi sem nunca ter sido.

Sobe o pano.



No Brasil de hoje não vejo espaço algum para golpe. Os corvos podem se assanhar à vontade, é até divertido. Acho que hoje, assim, é sem chance qualquer tentativa farsesca de repetição desse roteiro de mentira, tortura e silêncio. No futuro próximo, também. No longo prazo, estaremos todos mortos.

Eu sei, eu quero e é necessário que haja uma discussão muito firme sobre a coalizão, os instrumentos e os fins do Governo Lula. Já disse que o Ciro Gomes tem idéias provocativas, polêmicas, que devem nos levar a pensar. Ele acha que só Lula equilibra uma democracia vinculada à barganha com o PMDB. Nem Dilma, nem Ciro e nem Serra teriam "a manha", "o dom". Futurologia, aí sim, na linha de FHC, preocupada. Porém Ciro está preocupado com a estrutura política brasileira, não com a vitória de A ou B em 2010. Eu acrescentaria: o financiamento de campanhas e o relacionamento entre os Poderes. Um Legislativo fraco como o atual não interessa a ninguém.

Novamente em defesa do ex-Presidente, apesar de estar sendo bem duro com o sentido de seu artigo, recordo que na oposição Lula e o PT flertavam abertamente com o Fora FHC, impeachment, etc... Enquanto o ex-Presidente, coitado, se equilibrava com Renan Calheiros de Ministro da Justiça, ACM/Sarney comandando o Senado na base de apoio, as condicionalidades do FMI e o "dever de casa" do mercado numa situação de grande fragilidade externa (construída pelo próprio FHC, mas deixa para lá).

O Brasil não é simples e é preciso evitar radicalismos e idéias prontas tão certeiras quanto tolas. Mas sinto sim um cheiro de golpismo em setores da oposição. A incapacidade de dialogar. A necessidade de agredir, se for o caso humilhar o metalúrgico analfabeto que nos lidera com tanta competência.

Falta de rumos, falta de projetos, falta de discurso e perspectivas. A oposição tem alguns meses para apresentar algo além de slogans como o "choque de gestão". Enquanto isso, Fernando Henrique pode ficar aí dizendo que se os amigos dele não estão no poder, então há uma ameaça às instituições. Então tá...

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Fogo

Outro incêndio em uma favela paulistana. Desta vez, em Paraisópolis.

Espalhando-se no Morumbi, Paraisópolis não é uma favela qualquer.

Estou devendo textos sobre urbanismo. Em SP e em Brasilia. Ontem vi um espetáculo bem alternativo, bem legal, que me lembrou dessas coisas, curiosamente. No teatro da Funarte, no Eixo, debaixo do céu infinito do cerrado, estava um pouco frio, ventava lá fora. Os corpos desfilavam no palco e eu ficava ali parado, olhando, arregalando, e a mente fugia, eu pensava na solidão do cerrado, nos candangos conterrâneos velhos de guerra, no lago sul, no setor de mansões, no centro de erradicação de invasões ceilândia, na rodoviária, e aí virava a mente e parecia caminhar pelos corredores da Esplanada, entre ternos e saias e pastas, carimbos, memorandos, discursos, circulares, elevadores, placas oficiais, assessores, gravatas, apertos de mãos, cochichos, atas e subsídios.

JK, o Supremo, o Congresso, o Alvorada.
Riacho Fundo, Samambaia, Estrutural e Paranoá.
Paraisópolis. Morumbi.

Brasilia merece uma reflexão, il faut, é preciso, fundamental, tal qual Paraisópolis e o Morumbi. Quem sabe um dia nesse blog.

Pausa.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Indispensável

As time goes by, indispensável é Casablanca, pela inteligência e pelo olhar. Vejam esse olhar.

Tá Difícil

Está mesmo difícil voltar a postar. Desta vez não pela circulação, nem pela mente, mas pelo trabalho que voltou a me exigir bastante. Após um tempinho pegando o ritmo, o ritmo me pegou e tenho lido e escrito muitas coisas. Mesmo no feriadão, cá estou lendo uma série de coisas, organizando idéias, rascunhando, tabelas, resumos, textos, discursos.

Gosto muito do meu trabalho. É uma honra cuidar dos assuntos que acompanho, em particular nesse momento de transformação internacional.

Nessas, e por ter perdido o embalo, o blog ficou para trás. Assuntos não faltaram e, como já havia dito, o IOF é um gancho excepcional para uma série de temas abordados nesse blog. Quem ganha, quem perde. As finanças desvinculadas do trabalho e do emprego. O Brasil como plataforma de valorização financeira. Os lobbies. O discurso técnico dissimulando seu caráter político. O déficit em conta corrente como contrapartida do déficit fiscal que por seu turno seria causa da farra com o funcionalismo e os programas sociais. Falácias. Armínio Fraga no Valor Econômico antecipando o que talvez seja uma plataforma econômica, uma construção discursiva de Aécio Neves. Não gostei de muita coisa, seria um retrocesso.

O Presidente Lula. Confesso, bem baixinho, aqui entre nós, que estou lendo o livro do Ali Kamel, acho que chama "Dicionário Lula". É preciso honestidade intelectual: estou gostando do livro. Embora saiba-se o que nosso amigo da Globo pensa e a quem ele responde, o livro não entra em muitos julgamentos não. Ao menos finge que não, não se aprofunda, não é explícito. Tenta ser mais descritivo, levanta bolas várias para discussão. Muito interessante.

No mesmo sentido, ou seja, as palavras do Presidente, seu modo de governar, seu discurso, sua oratória, saiu no Observatório da Imprensa um artigo espetacular do Eugenio Bucci. Recomendo muito a leitura. O Presidente e sua mística, sua coalizão, seus atos e gestos, contradições, prioridades, impulsos e, especialmente seu discurso, ainda serão pano para muita manga. É uma história que ainda não terminou. Pelo contrário. As eleições em 2010 e a candidatura Dilma serão um capítulo especial de tudo isso.

No dia 5 de novembro o Presidente irá receber mais um prêmio internacional de primeiríssima grandeza. A Chatam House britânica, com toda a pompa da família real, irá homenageá-lo. O cara é um gênio da política, pergunta ou afirma Bucci. Seu discurso, especialmente para o público internacional e para seu eleitorado local, é quando se mostra mais a vontade, idealista, líder. Em suas entrevistas, no entanto, como a do Valor e a do Kennedy Alencar na Folha, transparecem os dilemas da administração do poder, da construção e institucionalização de uma prática diária.

Respostas e verdades absolutas em geral não me interessam. Fico com as perguntas. Kamel e Bucci ajudam a elaborá-las. Leiam o artigo. É coisa inteligente, coisa fina. Fiquem tranquilos. Não se trata de panegírico, de louvação. É análise, e daquelas boas, sem partir ou chegar a julgamentos definitivos.