No domingo passado, tivemos um artigo polêmico do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso nos jornais das famílias Marinho e Mesquita. Falando sobre o Governo Lula, FHC se confessou com receio de um certo "autoritarismo popular" que não sei bem se quer dialogar com a "ditadura da maioria". Ele não esclareceu. Disse ainda, vejam só que ironia, que se preocupa com o uso político dos fundos de pensão. Temendo um "subperonismo lulista", sem entrar em detalhes, clamou por um basta no continuísmo. Foi inevitável a lembrança de Regina Duarte dizendo "Eu tenho Medo" (2002).
Já na 5a feira, no mesmo dia em que Lula ganhava o prêmio de Estadista do Ano de uma instituição ligada à família real britânica, nosso amigo Caetano Veloso apareceu na capa, em grande destaque, no jornal da família Mesquita, chamando-o de analfabeto, grosseirão e coisas assim. Um conhecido articulista do jornal dos Frias insinuou uma farsa, destacando que grandes empresas estatais e privadas brasileiras teriam bancado o evento (na verdade, compraram mesas para o jantar com a elite inglesa, que apesar da crise não precisa ainda emprestar seu nome e prestígio por uns US$ 10 mil).
Os neo-udenistas, a oposição mais radical sem programa e sem discurso, os fazedores de manchetes e inspiradores de sensações rápidas, ou seja lá o que forem, baseiam seus slogans em três eixos fundamentais:
1) A corrupção é generalizada e o governo é conivente, é aliado, rouba para amigos e parentes;
2) Sindicatos, fundos de pensão, e grupos como o MST estão na mão do governo, o governo rouba também para eles, para grupos de suporte político e financeiro;
3) Chavez manipula a política externa brasileira, que tem um viés terceiro-mundista, é arrogante, amadora;
Se fosse discutir economia política, acrescentaria a "farra fiscal", o "intervencionismo nas livres forças do mercado", a "carga tributária escorchante" ou a "armadilha da previdência", algo ligado às chamadas "reformas" que Lula não fez.
Mas não é sobre economia esse post.
Voltando à política em seu sentido mais cotidiano, de mesa de bar, aqueles que procuram algumas portas para o diálogo, para um sentido de continuidade da democracia brasileira, argumentam que Lula apenas manteve o que de bom FHC criou e teria se beneficiado de uma conjuntura externa favorável. Com muita habilidade política, teria montado uma coalizão contraditória mas pragmaticamente eficiente, uma máquina de governo que foi reforçada por políticas assistencialistas e benesses a grupos específicos, como os sindicatos e funcionários públicos, por exemplo, além de empresários amigos.
Não pretendo discutir aqui essa segunda linha de oposição, mais democrática, humilde, construtiva, que nos levará à questão da suposta dicotomia entre PT-PSDB. Renato Janine Ribeiro foi outro a apontar recentemente o parentesco PT-PSDB e a idéia de que superem rivalidades personalistas para o bem do país.
Deixo esse debate para depois, pois esse é um post mais de combate. Sei que o ódio ao Presidente Lula existe, o preconceito, o desprezo, a vontade de tirá-lo de lá na porrada, afinal ele é um analfabeto, sem estudo, preguiçoso, vagabundo, arrogante, malandro, espertalhão. Eu conheço essa raiva como se conhecesse meu próprio bairro. É uma força muito grande. Às vezes penso que vem de algo como um DNA da Casa Grande, não sei bem explicar, um impulso segregacionista, de controle e dominação, enfim, tenho até dificuldades para descrever esse sentimento.
Por isso vou ficar aqui com os neo-udenistas, os slogans da grande e rasa mídia nacional, as teclas que são marteladas diariamente como num trabalho de lavagem cerebral, os três eixos que citei: dinheiro para si e para os amigos; dinheiro para financiar um esquema de poder; o poder como um fim, o plano secreto ou nem tanto de se perpetuar no poder.
São armas mais baixas da luta política, não projetos alternativos de país. Construções discursivas muito semelhantes às que frequentavam a atmosfera golpista das décadas de 50/60 e que causaram o suicídio de Getúlio, instabilidades controladas pela habilidade de JK e a deposição de Jango (pulo Jânio porque aí a coisa é mais complicada). Vejamos apenas alguns exemplos do tempo em que Perón pairava sobre a política argentina:
1) Getúlio e o Mar de Lama, JK e a corrupção na construção de Brasília;
2) Jango e a República Sindicalista, os marinheiros, etc...
3) Moscou por trás de tudo.
E pensando nisso, lembrei de mostrar um filme que encontrei no youtube. Creio que é um trecho do documentários do Silvio Tendler sobre o Jango, enfim, são imagens da sessão do Congresso de 1 de abril de 1964 e o áudio do Senador Auro Soares de Moura Andrade declarando vaga a Presidência da República, fornecendo assim algum substrato jurídico ao golpe. Jango teria se ausentado em momento fundamental do país. A racionale política do golpe, tal qual nesse teatrinho hondurenho: aquele que estava no poder tinha planos para acabar com a democracia. Ao tirá-lo do poder, portanto, salvamos a democracia. O comunismo ameaçava engolir o Brasil e nos colocar numa ditadura. Vamos nos antecipar. Viva a Revolução Democrática! Desce o pano
Gritos, reações entre os congressistas. Vaias, aplausos?!?! A miséria legislativa do golpe de 1964. Escracho, esculacho. Registro-o com satisfação. Com algum espanto também. E admiração pela expressão de Tancredo Neves. Vejam a cara de Tancredo. Ele que foi sem nunca ter sido.
Sobe o pano.
No Brasil de hoje não vejo espaço algum para golpe. Os corvos podem se assanhar à vontade, é até divertido. Acho que hoje, assim, é sem chance qualquer tentativa farsesca de repetição desse roteiro de mentira, tortura e silêncio. No futuro próximo, também. No longo prazo, estaremos todos mortos.
Eu sei, eu quero e é necessário que haja uma discussão muito firme sobre a coalizão, os instrumentos e os fins do Governo Lula. Já disse que o Ciro Gomes tem idéias provocativas, polêmicas, que devem nos levar a pensar. Ele acha que só Lula equilibra uma democracia vinculada à barganha com o PMDB. Nem Dilma, nem Ciro e nem Serra teriam "a manha", "o dom". Futurologia, aí sim, na linha de FHC, preocupada. Porém Ciro está preocupado com a estrutura política brasileira, não com a vitória de A ou B em 2010. Eu acrescentaria: o financiamento de campanhas e o relacionamento entre os Poderes. Um Legislativo fraco como o atual não interessa a ninguém.
Novamente em defesa do ex-Presidente, apesar de estar sendo bem duro com o sentido de seu artigo, recordo que na oposição Lula e o PT flertavam abertamente com o Fora FHC, impeachment, etc... Enquanto o ex-Presidente, coitado, se equilibrava com Renan Calheiros de Ministro da Justiça, ACM/Sarney comandando o Senado na base de apoio, as condicionalidades do FMI e o "dever de casa" do mercado numa situação de grande fragilidade externa (construída pelo próprio FHC, mas deixa para lá).
O Brasil não é simples e é preciso evitar radicalismos e idéias prontas tão certeiras quanto tolas. Mas sinto sim um cheiro de golpismo em setores da oposição. A incapacidade de dialogar. A necessidade de agredir, se for o caso humilhar o metalúrgico analfabeto que nos lidera com tanta competência.
Falta de rumos, falta de projetos, falta de discurso e perspectivas. A oposição tem alguns meses para apresentar algo além de slogans como o "choque de gestão". Enquanto isso, Fernando Henrique pode ficar aí dizendo que se os amigos dele não estão no poder, então há uma ameaça às instituições. Então tá...
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