sexta-feira, 2 de outubro de 2009

O ensino de economia II

Agora, o outro lado. Leda Paulani, autora do magnífico "Modernidade e Discurso Econômico". E Belluzzo, grande mestre, talvez o maior economista brasileiro da atualidade. Um diplomata das idéias, fico admirado quando o vejo questionar com ar meditativo os maiores absurdos de nossos noveaux économistes.

1. Sociedade, instituições e história
LEDA PAULANI

Recentemente, a rainha da Inglaterra visitou a lendária London School of Economics e perguntou aos doutos docentes por que ninguém lograra prever a profundidade da crise que se avizinhava. Os professores, cultores da teoria ortodoxa, crédulos do mercado e de suas divertidas utopias (autorregulação, eficiência, ótimo social), responderam que, contando embora com as mais brilhantes mentes matemáticas, o cálculo do risco enfocara apenas fatias do mercado. O sistema como um todo não fora considerado.
O que eles não disseram é que, formados na doxa econômica, os economistas jamais conseguiriam fazer esse tipo de análise totalizadora.
A formação hoje dominante põe ênfase apenas na matemática, nas técnicas de modelagem, olhando com enfado quaisquer considerações não passíveis de matematização.
Sociedade, instituições, história não cabem nessa visão, são anticientíficas.
A filosofia também não tem lugar, pois é com fastio igual que se encaram as questões metodológicas.
Economistas heterodoxos se deram conta dessa lacuna na resposta desses professores e lembraram a acusação, feita em 1991, por uma comissão da Associação Americana de Economia, sobre os cursos de pós-graduação em economia, os quais estariam formando "sábios idiotas", treinados na técnica, mas "inocentes" do mundo real.
A crise, porém, não estancará a produção de sabichões. Uma formação que desdenha a mais abrangente e consistente teoria do capital só pode continuar a fazer o que tem feito: vender ideologia como ciência.
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LEDA PAULANI é professora titular da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP e autora de "Brasil Delivery" (ed. Boitempo).

4. Repor a razão na história
LUIZ GONZAGA BELLUZZO

Ao longo do século 19, a economia abandonou definitivamente os constrangimentos da política e inventou o Homo oeconomicus.
Dotado de conhecimento perfeito, esse ser, produto da mais absurda abstração, busca maximizar sua utilidade ou os seus ganhos, diante das restrições de recursos que lhe são impostas pela natureza ou pelo estado da técnica.
Os sistemas sociais nascidos desse paradigma dominante em economia não dispõem de uma estrutura intrínseca, isto é, esgotam-se nas propriedades atribuídas aos indivíduos racionais e maximizadores, partículas que definem a natureza da ação utilitarista e que jamais alteram seu comportamento na interação com as outras partículas carregadas de "racionalidade".
Os manuais de economia mais badalados acatam as chamadas teorias novo-clássicas, com expectativas racionais.
Elas afirmam que a estrutura do sistema econômico no futuro já está determinada agora. Isso porque a função de probabilidades que governou a economia no passado tem a mesma distribuição que a governa no presente e a governará no futuro. A historicidade da vida social vaza pelo ralo.
Para os que dissentem dessa visão, a economia é um saber que está obrigado a formular suas hipóteses levando em consideração o tempo histórico, dimensão em que se desen- rola a ação humana.
Ela deve se entregar ao estudo do comportamento dos agentes privados em busca da riqueza, no marco de instituições sociais e políticas construídas pelas ações e decisões coletivas do passado, ou seja, pela história.
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LUIZ GONZAGA BELLUZZO é economista e professor aposentado da Unicamp. É autor de "Ensaios Sobre o Capitalismo no Século 20" (ed. Unesp).

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